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Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Crônica: A Caixa - Erivelto Reis

A CAIXA


Erivelto Reis



Numa caixa cabem sentimentos que a gente nem lembrava que tinha. Como numa música antiga que a gente cantarolava sem saber sequer de onde é que ela vinha. Uma caixa pode ser de bombom, de boneca, de música, de jóias, torácica, craniana, de leite – como o dente – d’água – como a gente –, de supermercado, econômica, de sapato... tem gente que acha que caixa é lugar de guardar apenas o que ficou no passado.

Entendo que a caixa é o lugar onde você sepulta aquilo que até pode ser ressuscitado. Uma carta de amor, um poema mal escrito e os bem escritos que serão, quem sabe, aproveitados. Um bilhete antigo, escrito por um dileto e distante amigo. Interessante: as coisas que cabem na caixa ocupam na mente e no coração o mesmo lugar que ocupavam antes. Quando antigamente era perto. Não as deixamos guardadas em caixas para não perdê-las. Deixamos para preservá-las. Talvez, até, para afastá-las. Para nos livrar de ser quem somos quando elas não nos deixam esquecê-las.

Uma caixa é um esconderijo e tanto para uma lágrima que escorre; para o sorriso que não espera retribuição; primeira mamadeira do filho, uma mecha de cabelo; lembrança de primeira comunhão; documento oficial; é o porta-retrato ideal pra foto de alguém que faz falta. Uma caixa é um portal, uma ponte... um disfarce. Espelho de se revelar a face. De ocultar remorsos, saudades, detritos e destroços: sonhos-objetos que caem nas caixas, como pedras-perdas que se atiram em poços. Uma caixa pode ser um lago raso mais profundo. Um sair narcísico das profundezas do que restou de nós no mundo.

Caixas são sinônimos de fartura e de prosperidade no Natal. São indicadores econômicos contundentes do aquecimento da produção da indústria nacional. Uma caixa pode vir com um elo, um pedido matrimonial. Com fitas douradas, acetinadas, ornamentadas pacientemente. Segurá-las, recebê-las e embalá-las é o pré-regozijo que antecede a visão do presente.

Uma caixa é uma casa, um sofá, um travesseiro, uma mala, um guarda-roupa, uma cama, uma coberta... se rasgada, se fechada, se aberta, se forrada pra servir de abrigo pra quem dorme embaixo de um viaduto, na sarjeta de qualquer lugar do mundo ou na calçada da Central. Uma caixa, vista assim, não pode ser motivo de orgulho. A fome, o frio e o desatino não aceitam embrulho. Isso não se encaixa (é a moral baixa, e o moral idem de uma cidade, onde ricos e pobres se dividem, se agridem). Esse não pode ser o destino do nosso país. Quem depende de rasgar e de existir na caixa pra sobreviver, não pode ser muito feliz. Caixa, só como objeto, não pode ser casa e brinquedo de nenhum menino, vitrine de manipular. Invólucro do desejo de se anular; recipiente do limite, sinal do obstáculo que não se pode ultrapassar.

Uma caixa pode ser depósito de contas, de contos, de carnês, de notas promissórias. De rascunhos de palavras que deixaram ou que um dia entrarão pra história. Pode conter contracheques, certidões, documentos de toda espécie. Segredos recorrentes que a gente não abandona; ponta do iceberg de mistérios que não podem vir à tona.

Talvez uma caixa seja apenas um símbolo. Signo de um belo presente, de uma lição para o futuro; da saudade do que se passou. Marca de um valor que não está somente no preço do objeto contido, tem valor estimativo que, como diria o poeta Primitivo, acaba tendo “muito valor”.

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