Vinho do Porto
Erivelto Reis
A rua como uma passarela de pessoas
sem rumo
Com almas amedrontadas
Escondidas lá no fundo.
Há um espírito livre aprisionado
Pela semântica narcísica
Que diz e age como se todos
Os verbos e versos fossem reflexivos.
Queria abraçar meus amigos
E dizer-lhes que o melhor está por
vir.
Não posso fazer isso.
Não tenho qualquer certeza.
E muitos ficaram no passado
Restritos entre datas de nascimento e
morte.
Nomes circunscritos.
No momento, toda canção é fúnebre,
Toda palavra é lamento,
Todo olhar é um pedido de ajuda.
Mandaram um áudio.
As novas ordens serão dadas
Na próxima reunião on-line.
Arrombarão nossos armários na
segunda.
A literatura por vezes tratada
De forma rude, reles, rasa!
Eles fingem empatia,
Apenas fingem estar na nossa pele...
Se puder, fique em casa!
Proteja sua saúde, mas saiba:
O autoritarismo brota como arbusto
vigoroso
Entre as pedras, hera do muro, do
lodo,
Do limo e, em alguns casos,
Em jardins outrora tão bonitos.
Se puder, reaja.
Eu ia te mandar um e-mail,
Perdi tempo, perdi a senha...
O Banco mandou carta de cobrança!
Os correios não me entregam o que
encomendo,
Mas sabem o meu endereço quando eu
devo.
Dizem que é área de risco
Agravada por uma mancha criminal:
A memória ficou cheia ou então
escassa.
Tinha uma ideia de armazenar o poema
na nuvem.
No entanto, vem o cotidiano e invade
e devasta o poema.
Tempera um copo do que deveria ser
Pura água mineral. Turva.
Com meio quilo de refinado sal.
A sede aumenta na presença do líquido...
Esperança desmorona, não importa!
Quanto mais me espiritualizo ou
qualifico
Mais vejo que não sei de nada.
Eu queria viajar contigo.
Arrumar um novo emprego, um novo
hobby,
Compartilhar a fórmula
Que inventei para a produção
artesanal
De vinho do Porto.
Ano que vem nos veremos.
Se você ainda estiver vivo,
Se eu não estiver mais morto...
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