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Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

domingo, 20 de junho de 2021

Texto: "Sobre os 500.000 mortos", de Erivelto Reis

 Sobre os 500.000 mortos

Erivelto Reis 

Num mar de repleto de náufragos e mortos me debato. São 500.000 pessoas que eram o amor de alguém. Não rezo, e o mar é fundo. É de fossa e abjeta é a água que nos afoga e o entendimento de muitos dos que estão vivos é tão raso, superficial e cruel que penso que estão cegos e surdos à razão e não sabem como sua neutralidade enquanto boiam, acaba por afogar 2000, 2500 pessoas por dia, (sem contar os desalentados, os desempregados, os desamparados pela ausência de políticas sociais). Ei-los estúpidos em pele de sensatos e não sabem nadar e não sabem que não sabem de nada. São boias humanas que os canalhas usarão pra se safar. Os canalhas não virão se apoiar em mim porque sabem que farei justiça, ainda que seja a última coisa que eu faça. Quando for minha vez de submergir sem fôlego e para sempre, lamentarei profundamente não ter conseguido alertar o suficiente os que amei e os demais para as violências que cometeram - mesmo sem querer -, contra os ideais de liberdade que tanto prezo e pelos quais tanto lutei. Para evitar o que eu penso, eu sei de vários que deixaram de ler o que escrevo entre um meme e outro. Meu amor e meu respeito por essas pessoas tão intransigentemente seguras de suas certezas manipuladas pelas mentiras que ouviram e leram por aí, e que inexplicavelmente as convenceu, terá sido como a cicuta que Sócrates bebeu de bom grado ante o horror de um mundo aético, injusto e acrítico. De nada valerá qualquer filosofia, resquício de amor, arte, literatura ou remorso que restar como herança aos que me mataram mais quando seus discursos serviram ao opressor, do que quando doarem meu último livro e deletarem meu último arquivo, enquanto esquecem, neblina e vento frio, as palavras gastas de tão repetidas dos apelos que eu fiz em vida.

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