Re-velar
Erivelto Reis
Nada do que eu deixar
De fazer amanhã
Pra quem quer que seja.
Talvez uma meia dúzia
De interjeições,
Umas duas dúzias de onomatopeias,
Algumas poucas exclamações.
Um desmoronamento de expectativas,
A roupa secando sem sereno
No abandono banal
Do fim de tarde de um dia
De calor infernal...
Ou, quem sabe, encharcada,
Diante da inesperada
Pancada de chuva,
Prenúncio de um vendaval.
A notícia pegando alguns de surpresa:
Uma tarja preta, um laço,
Um card na rede social.
Uma reticente informação
À guisa de confirmação.
Nada do que eu deixar de fazer amanhã
Vai fazer falta pra algum ateu
Ou pra cristão algum.
Um zunzunzun, duas semanas
De fofocas e especulações:
Mel e veneno escorrendo
Do canto de alguns lábios.
Tarântulas desobstruindo
O que estava atravessado
Na garganta: ódios e talvez paixões.
Um concílio de sábios
Afirmará que sabia
Que eu não estava bem.
Esquecimento, presunção e desdém.
Um locutor anuncia a última promoção
Na gôndola do supermercado:
"Só hoje, vai levar batata asterix".
No cartório, o escrivão pergunta
Se o dinheiro pra certidão está trocado...
Mas avisa que aceita Pix.
Uma rápida parada no posto
Pra verificar se o pneu tá calibrado.
Pensamentos e emoções tomados
Repentinamente como um grupo
Indefeso de reféns.
Nada do que eu deixar de fazer amanhã
Não vai fazer falta pra ninguém.
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