Quem sou eu

- Erivelto Reis - Poemas e Crônicas
- Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.
sexta-feira, 30 de dezembro de 2011
sexta-feira, 23 de dezembro de 2011
Poema: Sobre Sentido e Silêncio - Erivelto Reis
Erivelto Reis
Sou feliz por ser pai
De um filho que, infelizmente,
Vez em quando, me parece triste.
Que vive enlutado de um evadir-se de si,
Que tanto machuca e persiste.
Silêncio de sentido é o abismo que se lança,
No adulto e na criança,
Entre tudo o que se pensa,
E aquilo que de fato existe.
Não sei se posso protegê-lo.
Não sei se sei do que não sei como pai.
Sei que tenho um amor que produz
Orgulho e um grande medo de não compreendê-lo.
Um medo de perdê-lo por entre os desatalhos
Dos cascalhos da linguagem,
Que ferem, confundem e denigrem
Minha austera, paterna, patética
E (im) própria imagem...
Gerando dor, dissabor e estresse.
Talvez eu nem soubesse do poder, se o tivesse.
Nossa conversa é um rito gasto de gestos sem palavras,
Com quase poucas palavras...
E olhares que se desencontram, que desatinam,
E que fazem com que nossa alma desconverse.
Isso é tão difícil pra nós,
Mas é quase sempre isso que acontece.
Às vezes, acho que ele não confia em mim,
Mas sei que confiaria se pudesse.
O vejo andando, progredindo, só que em círculos,
Em espirais de aprendizado e teste;
Inseguro sobre o chão de informações,
Que brincam de roda com as suas emoções.
Tudo é novo, mesmo na centésima vez que aparece
Tudo é estranhamente diferente e repetido
Perto, longe, distante, parecido.
No que eu vivo, no que vejo, no que penso.
Sou tão igual ao meu filho:
Que, às vezes, nem me conheço.
Ora emociono e não explico,
Ora explico e não convenço.
Por sensações e recomeço,
Vejo-me repleto e contrito
Por tudo o que, a ele, sobre de silêncio...
Por tudo o que, a mim, me falte em sentido.
domingo, 4 de dezembro de 2011
Poema: Minha Vida - de Erivelto Reis
Minha vida é o alarde
Dos sustos que a emoção me prega
É um DVD que não pega
Um devedor que não paga
É a fé cega, a faca afiada
Minha vida é o meu passo de Jeca
É a última música do LP
O bug do HD
O chuvisco da TV
Minha vida é ouvir o horóscopo distraído
É minha zona de conflito, minha trincheira de conforto
É tudo que entra por um ouvido e não sai pelo outro
É ficar calado, é pedir desculpa
É marejar os olhos e viver só
Chorar com saudades da avó.
É não ter amigos
É perder amigos
É não ter razão
Minha vida é olhar a chuva
Que molha as folhas da melancólica palmeira
É ficar na fila, é de segunda-feira
É reconstruir o muro, é não sair do chão
É alugar casulo para a solidão.
Minha vida é colecionar e-mails
É perder cabelo
É dor no joelho
É ter pesadelo
É passar calor
Minha vida é a procissão
Que leva o andor de um santo de figuração
Asa de milagre que não se insinua
É voltar pra casa e viver na rua
Minha vida é o esboço
Do que ela seria
É namorar a prosa
É amar a poesia
É o lado de fora da academia
Minha vida é sonhar com aquilo
Que eu jamais vivi
A ordem dos livros que eu não li
É viver correndo
Pra fugir de mim.
Poesia de Michel Melamed
menos 20 graus.
os patinadores cavalgam parelhos no espelho de gelo da lagoa.
o cristo redentor,
quase irreconhecível
assim,
com a neve cobrindo-lhe
o dorso das mãos pés braços ombros cabeça...
não fosse a justa localização e tamanho
poderia se suspeitar que fosse outrem ali:
um king-kong petrificado no apogeu da escalada;
uma esfinge, de pé, propondo a pantomima do seu enigma;
a estátua da liberdade − renunciando à tocha,
os braços semi-erguidos como asas, livre;
quiça a torre eiffel obesa
ou mesmo um patético espantalho gigante afugentando o sol...
a neve tomba sobre a cidade.
queda lentamente escorada pelo absoluto silêncio,
este silêncio hibernado há mais de quinhentos anos,
lapidando as hélices dos flocos
para o desbunde branco.
casais sobre esquis descem o pão de açúcar.
na baía de guanabara um pai puxa o filho no trenó.
pinguins aplaudem a aurora boreal no posto 9.
vai mesmo que o pau-brasil cisma desbotar na polônia
e uma ave gargarejar na rússia.
uzbequistão e suas palmeiras do mangue...
sibéria 40°...
hoje,
aqui,
são as neves de março que fecham o verão.
e promessa nenhuma.
nunca mais.
MICHEL MELAMED − in regurgitofagia, pág.105 − Ed.Objetiva
Poema: Tarefa - Artur da Távola
Artur da Távola
Escrever é lutar contra todos os estados de espírito.
É cavalgar o próprio tédio
É passar por cima de inspirações
Tripular a esperança,
A alegria própria... tanto quanto tristezas.
Escrever não é prazer nem confidência, é tarefa!
Desafiar as palavras, exercitar-lhes o sentido,
Namorar-lhes contornos,
Espreitando sutilezas e mil significados.
Escrever é conviver com dúvidas, medo e coragem,
É dar socos na falta de assunto.
É aprender a calar, falando.
E falar... Calando.
É enfrentar ditadores, detratores,
Dez tratores ou mil elogios.
Escrever é perder o medo de si próprio
e desabrir caminhos secretos.
É varar distâncias, encontrar pessoas sós.
É velar, pensar, penar, sentir por si e pelos outros.
É fazer um bem que não se imagina possível.
É pedir licença. É errar. É querer.
É permanecer acreditando.
Revolver infâncias,
Redescobrir adolescências espantadas
Compensar, contestar, reparar...
Escrever é ato de amor feito tarefa
Crônica: “CONGRATULATO DE CONGRATULATION”, de Erivelto Reis
Erivelto Reis
Fim de ano chegando. Outra vez me encontro tentando ocupar os espaços em branco dos cartões de Natal que pretendo enviar, com algo um pouco mais criativo, do que a já famosa expressão: “Sinceros votos a você e sua família!”.
Prefiro usar frases mais elaboradas nos cartões e, sempre que possível, enviá-los acompanhando presentes. Presentes que passarei o ano seguinte, quase todo, pagando. Não me importa se mantive com determinada pessoa, um relacionamento de amizade sincera ou de forçada cordialidade: tasco-lhe um cartão e um presente! E a pessoa presenteada ficará surpresa de ser tão bem quista. Pois que não é! E as comemorações passarão, e de novo, nos toleraremos cordialmente. Se a pessoa em questão for um familiar, aí é que eu capricho no cartão e descuido um pouco do presente, já que toda família precisa ter o seu posto de “pau-duro” ocupado...
Preencho meus cartões, cuidadosamente, com frases como: “regozijai-vos de felicidade e alegria!”. Não é lindo?!... Ou ainda: “O meu mais sincero agradecimento!” Terá havido um agradecimento menos sincero?...
Ano passado um parente distante me enviou um cartão com uma frase incrível, que eu pretendo, inclusive, usar nos cartões que enviarei este ano. Ele escreveu: “Neste Natal, mesmo distante, congratulato de congratulation!!!”
Pelo número de exclamações, ele devia estar berrando quando escreveu isto. Na certa queria que eu o ouvisse daqui. Acredito que meu parente goste mesmo de mim. Mas não faço ideia do que essa frase quer dizer. Há de ser coisa boa. Tomara!
Se você não gosta de escrever, ou não costuma escrever “pérolas” como esta; nem se endivida até a raiz do cabelo para comprar presentes, siga este conselho: seja feliz e faça alguém feliz! Não apenas neste fim de ano, mas em todos os dias da sua vida. Você já entendeu que o amor, a amizade o respeito e uma vida melhor, se conquistam através de gestos e palavras simples e sinceras que devem nos acompanhar todos os dias e não apenas nas festividades.
Você, que dedica à sua família, aos amigos, conhecidos e vizinhos um tratamento cordial e generoso, não precisa dar presentes. Você é o próprio presente! Com saúde e fé siga o seu caminho. E, quem sabe um dia, eu não lhe envie um cartão?
Poemas do Livro Sem Rima (2004), de Erivelto Reis
Não me julgues
Pela aparência,
Que todos sabem,
É ilusão fugaz!
E os elogios
Que me fazes agora,
Já foram feitos
A muitos outros mais.
Não me releves a palavra
Amena,
Que a ti pareça
Bela e trivial...
A elegância da minha
Discordância
Pode caber numa frase banal.
E a ti eu quero prevenir:
Não te apresentes
Tal e qual “estrela”,
Pois o orgulho
Pode te iludir!
Já que o brilho
Da verdadeira estrela
Que vês no céu,
Há muito tempo
Deixou de existir.
Sem Rima
Agora chega,
Não vou mais rimar pra você!
Não serei mais o apaixonado
- Sonhador incompleto -
Que vive sonhando
Em viver ao seu lado.
Deixarei de olhá-la,
Ainda que me custe
A dor de uma paixão.
Deixarei de falar com você,
Ainda que meu coração
Fale mais alto...
E apesar de tudo,
Meu amor, eu lhe juro
Que nada mais neste mundo,
Vai me fazer rimar pra você.
Seguirei sem rumo,
Apesar de conviver com você.
Passarei noites em claro,
Apesar de sua doce lembrança.
Mas amor, eu lhe juro
Que não há nada mais
Neste mundo,
Que vá me fazer rimar
Pra você.
A minha louca decisão,
Nem você pode entender.
Mas eu sinto que ela
Pode impedir
Que eu continue a sofrer.
Porque você é o meu amor...
Você é a luz que me ilumina!
Por isto, eu lhe peço,
Neste último momento,
Me deixe quebrar o juramento
E me despedir com uma rima!
O Delírio de Um Poeta
Por onde passei, ouvi mágoas.
Transformei-as: Belas!
Embora, muitas delas
Eu não pudesse compreender.
Por onde passei, ouvi gritos.
Histéricos, ridículos...
Que então, trouxeram
Aos meus sentidos,
A agonia de viver!
Por onde passei, deixei marcas,
Aos poucos, ofuscadas
Pela brilhante luz dos tempos!
Fui muito longe...
Estive em quase todos os lugares,
Em quase todos os momentos.
Fui a lágrima de um palhaço...
Do fim, fui eu o adeus!
Do lutador, fui o cansaço.
Do espelho, fui a imagem.
Do amor, fui a paixão.
Do amigo, o inimigo...
Do corpo, o coração!
Da vida, eu fui a morte.
Dos maus, eu fui o bem.
Do passado eu fui presente.
Do azar, eu fui a sorte.
E da ausência, eu fui ninguém...
Da noite, eu fui o medo.
Dos olhos, fui a retina.
Do ódio, eu fui o perdão...
Das drogas, fui cocaína!
Por onde passei,
Eu vi moças
Alegres e soltas,
Que de tão fúteis,
Sequer descobriram
A dor de não ter como ser!
Eu sempre segui meu caminho
Pisando em espinhos...
Vago à sombra da luz
Sem ter ninguém
Para me acompanhar,
Nem retirar as duras pedras
Da estrada...
Sei que vou morrer,
Por isso eu quero lhe dizer,
Que tentando ser tudo na vida...
(Hoje eu sei!)
Eu não fui nada pra você.
Pra Quem Acredita...
Se alguém notar
Que alguém me segue...
Me avise agora!
– Logo... –
Não antes,
Nem depois!
Não me importo em saber
Onde está o lado de lá...
Quem está vivo,
Quem morreu,
Quem nascerá!
Porque,
Se agora estou aqui
Neste mundo,
Minha hora chegará!
E as almas que ignoramos,
Ou as que se escondem,
Irão voltar
Pra falar de coisas tão fáceis
E tão difíceis de aceitar,
Já que a sombra que me persegue,
É a extensão da minha alma.
Só que você não percebe.
Utopia
O que é pra ser,
Será sempre.
Não importa o tempo
Que durar.
Um minuto pode ser
Guardado eternamente...
Uma vida em branco,
Pode em prantos se acabar.
Sendo um trabalhador,
A mente pode voar.
Sendo um sonhador,
O mundo pode mudar.
Sendo criatura,
Confunde-se
E torna-se
Criador de sentimentos
Que mexem com toda a gente...
Sendo planta,
Desabrocha como flor!
Eis sua missão:
Sendo pássaro,
Espalhe as sementes.
Sendo criança,
Semeie o amor.
O Delírio De Um Poeta
II
Agora a solidão anda comigo!
A dor é bem mais forte
E eu não ligo!
A paz, que eu perdi,
Me bate à porta
Implorando para entrar...
Eu finjo não escutar.
Agora,
O seu adeus não me interessa!
As lágrimas,
São motivos para festas...
Percebo
Que toda aquela velha angústia,
Me faz dormir,
Mesmo sem sentir...
Agora,
Que eu fiquei aqui sozinho,
Eu percebi
Que não preciso de carinho!
Agora,
Não estranho,
Nem estrago
Os meus ideais...
Quais?!
Agora,
Eu já não choro
Quando vem o entardecer
E eu me descubro
Sem você!
E assim o tempo
Vai passando
E nem tudo
O que eu tento lembrar
Eu consigo!
Perdi o juízo
E quero me enganar...
O que será possível,
Se este
Último delírio
Vier me matar?!
Eu Não Tenho
Eu não tenho filhos
Eu não tenho fome
Eu não tenho nome
Não tenho ninguém!
Eu não tenho sorte
Também não sou forte
Eu não tenho fibra
Eu não sou de Libra...
E minha alma grita
Pelo dom que não tem!
Não tenho um passado
Nem um ás guardado
Nem um par formado
Eu não tenho sonhos...
Também
Não tenho sono
Só o desespero
Quando a noite vem!
Eu não tenho beleza
Também
Não tenho certeza...
E não tenho nada
Para lhe falar!
Eu não sei fingir
Também
Não vou mentir...
Porque tudo o que sinto
É tudo o que há.
Eu Quero Tudo
Eu não vou dizer
Que só quero o seu amor.
Eu quero tudo...
Eu quero o máximo
Que você puder me oferecer!
Eu quero que seja
Só seu o meu mundo...
Eu posso esperar
Mas quando começar
Meu amor
Vou querer tudo!
Eu quero o seu olhar
O seu jeito de falar
Eu quero a sua boca...
A sua voz bem rouca
Num papo informal
Sob o calor do lençol!
Amo você loucamente
Deixarei gravadas
No corpo e na mente
As coisas que nós sentimos!
Eu quero que seja
Só meu o seu mundo...
Eu posso esperar
Mas quando começar
Meu amor
Vou querer tudo!
Lua Triste
Linda, há pouco tempo
Nos conhecemos.
Um sonho de amor
Nós vivemos
E você quer me dizer adeus.
Linda, louco estou.
Depois que você se afastou,
A minha lua ficou triste.
Se você está distante,
A pobre lua é minguante...
Se você está ausente,
A saudade no meu quarto
É crescente...
Infeliz do homem apaixonado...
– Um lunático! –
Que, na lua nova,
Novamente está só.
E a lua cheia que o inspira,
E à vazante da maré,
Não inspira à sua amada,
Já que a lua é culpada
Da tristeza e do martírio...
A vingança é que seu brilho
É bem menor que o fascínio
Que há nos olhos da mulher!
Amor Verdadeiro
O amor verdadeiro
Não permanece estável
Estático
Intocável
Imutável
Invulnerável...
Ele bate
Ele sofre
Ele grita
Ele ri
Ele chora
Emociona
Afasta
Afaga...
Ele é a saga
De dois seres
No nó
De uma alma só!
Nós dois
– Eu e você. –
Quanto Vale
Quanto vale a tua felicidade?
O que é preciso pra te ver feliz?
Quanto custa a chuva
Que molha o teu rosto?
O pranto
– Fruto do teu desgosto –
A certeza de estar “por um triz”.
Quanto vale a tua felicidade?
O que é preciso pra te ver feliz?
O chão onde pisas, valerá quanto?
A natureza, a beleza,
O céu, o mar,
O vento aos quatro cantos...
O sorriso de quem se quer bem,
Ou as palavras sinceras
Que um amigo te diz?
Quanto vale a tua felicidade?
O que é preciso pra te ver feliz?
O sol da manhã,
Que faz reluzir o orvalho na relva...
A força do teu braço,
Ou os teus pés descalços,
Brincando na areia
De uma praia deserta...
A tua porta entreaberta,
Esperando a volta
De alguém que se quis...
Quanto vale a tua felicidade?
O que é que te falta
Para ser feliz?
Quanto vale a fé que possuis?
O sangue em tuas veias,
A tua ilusão, a voz,
O ar nos pulmões,
As tuas emoções e o teu coração?...
Quanto custa a tua solidão?
Quanto vale a tua felicidade?
O que ainda esperas
Para ser feliz?
A arte, a Poesia, a pintura...
A música, toda a cultura!
O talento e o sucesso,
O bom e o perverso,
Cada estrofe, cada verso,
E a sensação de ser um professor
(E, ao mesmo tempo, aprendiz...)
A dor, a tristeza e a saudade.
Quanto vale a tua felicidade?
O que ainda é preciso
Pra te ver feliz?
Casa Vazia
Casa vazia, vida vazia,
Sem alma, sem calma...
Poeira no corredor
Sufoca o peito apertado.
Coração bate sem compasso
Quando falta amor!
Portas que não se abrem,
Me lembram do que você dizia...
E a casa continua vazia...
Paredes nuas e frias,
Sem quadros, sem alegrias.
Não ouço ecos de passos,
Pois não há ninguém!
O teto feito de esperanças.
O piso feito de lembranças.
Passado e presente
Se misturam quando chove...
Casa vazia, vida vazia.
Nas janelas escancaradas,
Há um grito de saudade!
Vento gelado de solidão
Que invade o porão
Dos sonhos não realizados.
Casa vazia, vida vazia.
No jardim,
As flores sem perfume,
Têm espinhos de segredos
E pétalas de ciúme!
Esperam alguém
Que as colha e perdoe
Enquanto estão magoadas.
Emoções abandonadas...
São tijolos amontoados,
Que não construíram nada!
Pedaços de Nada
Pedaços de nada
Jogados na estrada.
Sobras de sombras
Deixadas às frestas de luz.
Montes e destroços
De emoções e remorsos...
Lágrimas e gritos
Que ninguém jamais viu
Nem ouviu!
Pedaços de nada
Jogados na estrada.
Taças de um passado
Bebido, embriagado!
Garrafas de um nó,
Que só a solidão
Sabe dar...
Sentado num bar
Sem ninguém pra falar,
Dos pedaços de mim
Que ainda estão
Com você.
Pedaços de nada
Jogados na estrada.
É assim que me sinto
Esperando você...
Pedaços de nada
Jogados na estrada.
Que as pessoas reparam,
Para, em seguida,
Esquecerem!
Sinto falta de tudo
O que hoje,
É só dor...
Sou um pedaço de nada,
Humilhado,
Implorando
Um punhado de amor,
Para me lembrar
De quem sou!
O Delírio de Um Poeta
III
Na vida pela qual passei,
Tive que suportar
Humilhações, frustrações
E agressões
Ao meu pobre coração!
Na vida pela qual passei,
O sofrimento esteve presente
Em cada amanhecer.
E as lágrimas
Passavam comigo as noites,
Me falando da dor
Que eu experimentava,
Esperando alguém
Que nunca voltava!
E hoje estou aqui.
Estou louco,
Esquecido...
Estou são,
Estou perdido.
Cheio de infelicidades...
Amargo por experiências.
Estou quase liquidado!
Tenho no peito, trancada,
A velha e antiquada ilusão!
Não quero que me tirem daqui,
Pois a esperança que perdi,
Anda de mãos dadas
Com a morte!
Eu quero morrer sozinho.
Tropecei
Em seu caminho
E escorri, como areia,
Em suas mãos!
Eu vou morrer delirando,
Sofrendo horrores...
Lembrando amores
Sufocados em meu coração.
O Que Mata Mais
O que mata mais?
O Fundamentalismo ou
O Capitalismo?
A Ciência ou a Religião?
A Guerra Fria ou
A Guerra Santa?
A mente ou o coração?
O que mata mais?
A verdade ou a Democracia?
A fome ou a revolução?
A violência ou a violação?
O trânsito ou a transação?
A tirania ou a submissão?
O que mata mais?
As “Torres” caindo ou
A Argentina falindo?
A Bomba de Hiroshima ou
A Guerra das Malvinas?
As minas no chão ou a poluição?
O Holocausto ou a Inquisição?
O que mata mais?
É a falta de “Tom”...
A ausência de “Elis”...
Viver sem “Drummond”...
E pensar ser feliz?
Depender do patrão ou
Da meretriz?!
É o presente,
É o passado,
É o futuro...
É o tempo perdido!
É tudo o que pode
Ser consertado.
E que nunca será
Esquecido...
Gente
Cisma e sai
Quase diariamente.
Espera sorrir,
Mesmo que o outro lhe fale,
Mesmo que o mundo se cale!
A vida vai,
Mesmo sem ter sentido.
Tudo o que foi,
Mesmo o que está tão distante,
Era tão lindo.
A dor que você sente,
Pois fala tudo sem mentir...
A dor que você sente,
Quer lhe dizer
Que o que vale no mundo
É o amor.
Fale o que foi,
Dê um sorriso agora,
Chore depois...
Banque o eterno fraterno:
– Comece tudo do zero! –
Pense
No que faz parte
Desse mundo
E quer que você
Viva um amor tão sincero...
E eu não duvido
Que tantos querem o amor
E que a vida dê certo,
São gente comum
E se sentem tão perto!
Gente que vive
Sem nem mesmo um teto,
E encontra na vida
Razão pra lutar!
Ao País do Futuro
Brasil, fulgurante glória,
Um marco na história
Estabelecida,
Lenda descabida.
Toda a tua memória,
Tão contraditória,
Banhada pelo manto,
– Celeste desencanto. –
Espelho de riquezas...
Dunas de incertezas!
És gigante, és forte,
Indigno de tal sorte.
Com teu povo nativo,
500 anos em perigo!
Miscigenado além do esperado.
E se te causo espanto,
Sou menos um quebranto.
Brasil, a terra desbravada...
Cultura aniquilada!
Teu sutil falar: enigma no ar.
Quem viu quão vil nasceste,
Te compreende bem.
Te assume, “Paradisíaca Ilha
Dos prazeres de além-mar”!
Édipo sem pátria,
Em teu solo sou tão pequeno
Que tal qual semente,
O meu querer abafas.
A tua natureza
É toda a tua nobreza.
O teu alvorecer
Não depende de ti,
Que entre milhões e milhões,
És a mais bela entre as nações!
Brasil, o teu destino é assim:
O teu melhor, só quem conhece
É quem te ama ou te explora...
A tua alegria,
Hoje é folia marginal.
Os teus valores e qualidades
São esquecidos
E te descubro
Multinacional!
És, na verdade,
Multirracial!
Os teus heróis,
Poucos conhecem.
Só aparecem
Como enredos
No carnaval!
Globalização
O Mundo
É governado por loucos.
A Rússia
Mata os soldados aos poucos...
Os Jornais
Se ocupam de fatos.
A Riqueza
É propriedade de alguns...
A Igreja
É Instituição Sagrada.
Dinheiro
Não tem Credo nenhum!
A Verdade
É território profano...
O Medo
É um oceano profundo
Meu filho
Dorme e caminha sonâmbulo.
A Família
Hoje em dia, é refém...
A Tecnologia
Escraviza quem não a detém!
Afinal de contas,
Computador não diz amém.
Agora Eu Mando No Meu Coração
Eu tenho errado pouco ultimamente,
Tenho conseguido olhar pra frente,
Sem lembrar do meu passado!
Eu tenho novos rumos pra traçar,
Eu tenho agora um futuro
Onde você não está!
Eu não tenho mais medo
De me olhar no espelho!
Reconheço os meus erros,
Gosto da minha nova imagem!
Troquei toda a angústia
E desespero,
Por meia dúzia de conselhos
E um pouco de coragem!
Agora você vê que eu sou
Bem mais forte!
Que agora eu não dependo
Mais da sorte!
Não temo nem sequer a solidão...
Você, agora, me vê
Como indestrutível...
Estou tornando isso
Bem possível:
Agora eu mando
No meu coração.
O Delírio de Um Poeta
IV
Veja o final dos tempos!
Olhe pra mim, aqui, esquecido.
Saiba que,
Como o ontem é passado,
Eu já fui querido,
Eu já fui amado...
Tive que descobrir tantas coisas
Para encontrar
A minha razão de viver.
Tive que amargar derrotas,
Que ser traído,
Perder apostas...
Mas hoje eu sei:
Que um ator fracassado,
Fica esquecido.
Que um palhaço chorando,
Provoca sorrisos!
Que tudo o que é bom
Um dia tem fim.
Que a imagem do caos
Se reflete em mim.
Sei que quem teme a noite,
Também teme a vida,
Que se alguém fecha as portas,
Não acha as saídas...
Sei que a paixão tem seu tempo,
Mas não tem idade.
Sei, com pesar e tristeza,
Que alegria e beleza
Não são liberdade!
Sei que as moças que vi,
Não me deram a mão.
Que os amigos que tive,
Se chamavam Ilusão!
Hoje não peço que volte,
Alguém que se foi.
E a quem eu não quero,
Que me deixe, se vá...
Hoje, tudo o que eu preciso
É de um inimigo para me escutar!
Bem, esse é o meu fim...
E à morte, agradeço
Pela paz que me deu!
Pobre de mim:
– Um Poeta morrendo...
Tentando ser Deus! –
Prefiro
Prefiro ser mel
Mesmo sendo sal
Prefiro ser bom
Mesmo sendo mau
Prefiro ser eu
Sendo natural
Prefiro viver
Viver e ser leal
Prefiro um ser
Um dom sensorial
Prefiro calar
Que ser imoral
Prefiro conter
Que ser informal
Pretendo ser bom
Ou mau ou como for
Prefiro ser eu
Mesmo não tendo valor
Prefiro ser real
Do que ser artificial.
Morrer
Morrer
É como ir a Niterói
E levar junto
Só o vazio
Morrer
É como se despedir do Rio...
Morrer
É já não ter nenhum amigo
Ninguém
Que nos empreste um livro...
Morrer
É já não ter nenhum amor
Perder um filho
Não colher nenhuma flor...
Morrer é injusto
Último pôr-do-sol...
Fim do percurso
Barco que não volta ao cais...
Morrer
É não viver em paz!
Oi Meu Amor
Oi, meu amor!
Eu tenho tanto
Pra falar pra você.
E certas coisas,
Eu não posso esconder.
E eu espero que você
Sinta o mesmo.
Minha emoção,
Meus sentimentos todos
Quero lhe dar.
O meu amor
E essa energia que há...
Essa é a força
Da nossa união!
Quero dizer sinceramente,
Que eu amo você!
E peço a Deus
Pra Ele proteger
A sua vida
Que pra mim é importante.
Você pra mim
É muito mais
Do que amor e paixão.
É muito mais
Do que amizade e atenção.
Você pra mim
É um presente de Deus.
Saiba que eu,
Na minha vida,
Nunca amei tanto assim!
Me dê um beijo,
Fique junto de mim,
Pois com você
Eu quero sempre viver!
E quando um dia,
Nossa velhice
A gente partilhar...
Aos nossos filhos,
Aos nossos netos,
Sei lá!
Nós mostraremos
O sentido do amor.
E nossa história
Não terá fim,
Porque foi Deus
Quem a escreveu.
Fico feliz
Porque você me escolheu.
Quero tanto você
Que já sou todo seu!
Homem Com Olhar Sincero
Homem com olhar sincero...
Homem de luta e de guerra,
Só quer a paz nesta Terra.
Homem urbano e rural,
Só quer o bem social.
Evitar o êxodo rural,
E a exploração imoral
Do homem que vive escravo,
Distante da terra natal!
Homem que quer liberdade,
Trabalha com honestidade.
Enfrenta, com muita coragem,
A dura realidade.
O amor é a sua verdade!
Respeita, desde um simples mendigo...
Até a mais importante autoridade!
Um Pai, um Irmão, um Avô...
Um ser social – Lutador! –
Um sim ou um não
(Com razão.)
Um Mestre da Emoção,
Um imenso coração,
E um divino mistério nas mãos:
Que é esse maravilhoso dom!
E fala com tanta certeza,
E fala com toda clareza,
E fala com tanta beleza,
Que a morte,
(A maior das tristezas!)
Nos chega com tanta riqueza
E consegue nos confortar.
Não fala pouco nem muito,
Mas fala de qualquer assunto!
Fala de dor e alegria,
Mas fala sem hipocrisia.
Herói, sem medalha ou retina...
Eu vi naquele dia,
Nos olhos daquela menina:
Seu destino é jamais ser esquecido!
E digo sem medo de errar,
E chego a me impressionar,
Quando lembro de autores como você,
Com talento sem igual:
Camões, João Cabral, Drummond,
Tom Jobim, Stanislaw,
Bilac, Castro Alves,
Machado de Assis e
Jaime Caetano Braun!
Poeta, Ator e Amigo...
Poeta e Grande Homem...
Os cabelos grisalhos
E as marcas do tempo na testa.
Você não nasceu para ser só homem,
Você nasceu pra ser Poeta!
O Delírio de Um Poeta
V
Procurei sempre
Contornar o incontornável!
Tornar doce, quão agre fosse.
Possibilitar o impossível...
E enxergar, nas pedras do caminho,
Pelo menos um sorriso seu!
Imaginei, com verossímeis fatos,
Coisas, com detalhes,
Que de fato eu jamais sonhei.
Imaginei ter as respostas
Das perguntas que ninguém me fez.
Acreditava que o sofrimento
Seria a sala de espera
Para a minha vez...
Contei as lágrimas que rolaram,
Decorei quantas estrelas se apagaram!
Contei nos dedos
E cantei com medo,
Belas canções
Que falavam de amor
E não lembravam a dor.
A minha vida foi sempre assim:
Só soube amar
A quem só quis me magoar...
Não enxerguei
Os poucos amores que encontrei!
Não escutei
O que as mentiras me falavam...
Não aprendi
Com as verdades solitárias,
Que nasciam em minha mente
E morriam no meu coração!
Eu já fiz de tudo
Quanto possam imaginar...
Eu aplaudi de pé
As minhas duras quedas.
Eu tive luz
Para encontrar as minhas trevas.
Eu tive medo
De confiar em minhas pernas...
Então, por isso, eu fiquei aqui!
Agora, tudo aquilo é passado,
E eu entendo
Sempre que me dizem não...
Toda a beleza
Me deixa pouco impressionado.
Eu olho em volta
E contemplo a solidão!
Amigo
Sente-se e converse comigo.
Eu estou bem, e você, como vai?
Me diga se alguém o ofendeu,
Se o seu time perdeu
E você nem ligou.
Entre, venha cá, meu amigo!
Que tal um café ou uma água,
O que você bebe comigo?
Invente um assunto pra gente falar.
Dê uma gargalhada pra me encabular...
Não, não se importe com as horas,
A mim me parece, que você chegou agora,
E já, tão depressa, não o deixo sair.
Vamos sorrir, conversar,
Matar a saudade...
É um prazer e uma honra
Recebê-lo aqui.
Bom, foi bom você ter aparecido
Tão feliz e tão contente,
Como tem sido ultimamente...
Pois você não foi embora.
– Sei que a morte é uma transição –
Você está na minha memória...
Você e todas as suas histórias,
Pra sempre no meu coração!...
Mudo
Se não gostam do que eu digo
Eu mudo
Se não entendem o que eu escrevo
Eu mudo
Se meu estilo é confuso
Eu mudo
Se minha rima é muito pobre
Eu mudo
Se me rotulam de Poeta vagabundo
Eu mudo
Mas não desmereça a Poesia!
Deixe que ela cresça
No dia a dia de qualquer um!
Não cometa esse crime
– O crime mais hediondo do mundo –
Pecado de quem se acha o melhor
E quem diria
Por um suposto amor à Poesia
Acaba obrigando o Poeta
A ficar mudo!
Pra Quem Gosta de Você
Pra quem gosta de você,
O certo e o errado
São vice-versa.
Qualquer Soneto,
Qualquer Poesia,
São só conversa!
O sol só se põe de manhã,
E a futilidade
É irmã da vaidade
E da falta do que fazer!
Pra quem gosta de você,
O preço a pagar é sempre alto:
O beijo de amor é gelado,
Qualquer confissão é pecado...
A verdade e a mentira convencem.
A covardia e a coragem
São sempre gestos de uma alma
Em busca de paz,
E por que não,
(Quem sabe?),
de algo mais!
Pra quem gosta de você
E ainda há tantos,
Que sequer
Os conheço...
O céu e o inferno
Têm o mesmo endereço
E viver ou morrer,
É apenas questão de espaço,
Tempo
Ou de sofrimento.
Pra quem gosta de você,
Liberdade não é traição
E insônia é só um processo
De total criação.
A tristeza é algo sensato
E o amor
É um cálculo exato.
É horrível,
Mas preciso dizer:
Pra quem gosta de você,
Qualquer porcaria
É um bom prato!
Mãe
Mãe,
Não pude lhe escrever,
Mesmo com tanta coisa pra dizer.
Mãe,
Se você soubesse o que eu vivi,
Você, no mínimo,
Iria “morrer de rir”...
Olhe mamãe,
Eu estou aqui,
Precisando muito de alguém
Que possa me ajudar.
Que tenha amor
Pra dividir comigo.
Que possa me emprestar
Um ombro amigo.
Eu sei mamãe,
Que se eu lhe obedecesse...
Se o que você tivesse dito,
Eu compreendesse..
Eu até, talvez,
Não me arrependesse!
Olhe mamãe,
Que tudo o que eu quis,
Foi encontrar alguém
Pra me fazer feliz!
Que compreendesse bem
Meu louco coração.
Mas não encontrei ninguém
– Só a ilusão! –
Mãe,
Aqui vou terminando...
A minha lucidez
Já está acabando.
Aconteceu tudo
Como você previu...
Por isso eu imagino,
Que neste exato momento,
Enquanto choro,
Você esteja “sorrindo”...
E eu sinto
Que esta dor que eu sinto...
Eu sinto que esta dor
Que estou sentindo agora...
Pode acabar por acabar comigo!
Ó Mãe!
E Você Pode Até
Encontrar Outro Alguém
Amor, é sério,
Eu lhe disse...
E se você me ouvisse,
Eu não estaria
Lhe dizendo adeus!
Foi bem feito,
Não houve jeito...
Sinceramente,
Até que durou muito.
Mas não chore,
Lágrimas em você
Não ficam bem.
E você pode até
Encontrar outro alguém
Que a ame como eu
A amei, também!
Estou pronto...
Você, triste.
Quer que eu fique
Ao seu lado,
Mas seu coração,
Nada faz!
De repente,
Vem correndo,
Me abraça
E toda a ilusão
Se desfaz,
Ao ouvir minha voz
Sussurrando:
“Agora é tarde demais!”
Você nunca acreditou em mim,
Mas agora percebeu...
Eu não a amo mais!
O amor que existia,
Morreu.
O Delírio de Um Poeta
VI
Hoje eu fui pensando
Em minha vida.
Hoje eu fui buscando
As saídas, que só agora,
Com um pouco mais
De experiência,
Consegui achar.
Pra ser fiel à verdade,
Antes que o meu tempo acabe,
Eu terei de reconhecer:
Não fiz nada de útil,
Vegetei,
Ao invés de viver...
Eu nunca entendi bem,
Por que não me diziam
“Eu te amo”...
mas invento amores,
sofro todo o ano!
Estou delirando
E sei que vou morrer.
Nunca tive outro sentimento,
Que não o desespero.
Nunca, nenhum outro perfume,
Que não o seu cheiro.
Sempre estive acompanhado
Da minha solidão.
Nunca tive liberdade
Para criar minha
Própria prisão.
E morrerei assim:
Sem alguém
Que queira simular,
Sequer uma lágrima
Por mim.
Antes
Antes mesmo de acordar,
Ela já sente.
E acorda e olha a sua volta,
Mas não vê ninguém.
Também – tola ilusão! –
Ele agora está distante,
Em outros braços.
E o embaraço dessa situação,
A faz chorar.
Antes mesmo do primeiro soluço,
O seu primeiro impulso
É não amar nunca mais.
É, no momento, o mais certo,
Embora, com ele perto,
A sua vida
Passe a ter mais sentido.
E se pega sofrendo,
E se encontra mentindo...
Antes mesmo do primeiro suspiro,
E de derrubar os seus livros,
Os presentes e os discos
Que ele havia lhe dado,
Ela – num completo delírio –
Relembra...
Em êxtase contempla
O primeiro beijo
Que ele lhe roubou.
E se encontra sorrindo,
E se entrega sem medo!
E até lhe sente
As pontas dos dedos,
Percorrendo-lhe o esguio corpo
De mulher madura e apaixonada.
E, antes mesmo, que o planeta
Lhe volte aos pés
– Aqueles mesmos! –
Que ele tanto admira
E que o excitam,
Pelo contorno e pela forma...
Ela pensa em esquecê-lo.
Mas já não poderá fazê-lo.
Pois ela já o amava
E esperava por ele...
Antes mesmo, muito antes,
Que viesse a conhecê-lo.
As Fotos
Objetos... abstratos...
Colecione-os
E se torne um “Deus”.
Escolha quem, quando, como,
Onde e para quê?
E só então irá entender.
Detenha toda a beleza,
E quanto mais o tempo passa,
Mais belas – que ironia! –
(Já revelei quem são...),
Elas vão ficando.
Já que elas só desbotam
E não envelhecem.
E se são alegres,
Saudosas se tornam.
E se são tristes,
Impossíveis de esquecê-las.
Obscuras... obscenas...
(Nunca obsoletas...)
Orgulho de escondê-las,
Arrependimento por mostrá-las.
Não falam,
Mas jamais se calam!
Revelam quem somos,
Onde estamos,
E o que fazemos.
E até quando não queremos,
Fazem parte
Da nossa existência.
E nossas experiências
Estão retratadas nelas.
Os fatos...
As fotos!
Contam mil histórias,
Quase sempre verdadeiras.
E quando alguém querido:
Um parente, (um Poeta),
Um amor ou um amigo
Nos deixa...
Uma simples foto,
– Mesmo uma 3x4 –
... Expressa mais vida
que uma vida inteira.
Quem Sou Eu
Sou o nascer do sol
Sou o bem e sou o mal
O açúcar e o sal
Sou o amargo e o azedo
A coragem e o medo
A emoção e a razão
A luz e a escuridão
O não e o sim
O início e o fim...
Sou a porta e o batente
Eu sou bicho e sou gente
O passado e o presente
Sou a flor e a semente
Sou especial
E sou qualquer um...
Sou extraordinário!
Sou caso comum
Sou a prosa e o poema
O verso e a rima
O teatro e o cinema
O solo e o clima
A montanha e a estrada
A planta e a raiz
Sou tudo e sou nada...
Sou este país!
Eu sou concordância
E sou controvérsia
Eu sou a memória
E sou amnésia...
Quem sou eu?
Eu sou substantivo
E o adjetivo...
Eu sou muito
Primitivo!
E você pode
Não entender.
Falhas
A força humilha o fraco
A falha embarga a fala
A farda enverga o “cabra”
O gole afaga a mágoa
O afeto acalma o ego
O filho encanta a alma!
A fuga fere a fé
A fama cheira à trama
A fome infesta a praça
A flor enfeita o tempo
A folha freia o vento
O fogo afronta o frio
A fumaça faz desgraça!
O vício apressa a morte
A faca faz o corte
O fútil vem à tona
A chuva lava a “Lona”!
A lama lota o lar
A fúria faz chorar
O lixo prevalece
O luxo enlouquece
O planeta envelhece...
E a humanidade esquece
Que só o amor permanece!
sábado, 3 de dezembro de 2011
Texto: Os Professores - José Luís Peixoto (Escritor e Poeta português)
OS PROFESSORES
José Luís Peixoto
O mundo não nasceu connosco. Essa ligeira ilusão é mais um sinal da imperfeição que nos cobre os sentidos. Chegámos num dia que não recordamos, mas que celebramos anualmente; depois, pouco a pouco, a neblina foi-se desfazendo nos objectos até que, por fim, conseguimos reconhecer-nos ao espelho. Nessa idade, não sabíamos o suficiente para percebermos que não sabíamos nada. Foi então que chegaram os professores. Traziam todo o conhecimento do mundo que nos antecedeu. Lançaram-se na tarefa de nos actualizar com o presente da nossa espécie e da nossa civilização. Essa tarefa, sabemo-lo hoje, é infinita.
O material que é trabalhado pelos professores não pode ser quantificado. Não há números ou casas decimais com suficiente precisão para medi-lo. A falta de quantificação não é culpa dos assuntos inquantificáveis, é culpa do nosso desejo de quantificar tudo. Os professores não vendem o material que trabalham, oferecem-no. Nós, com o tempo, com os anos, com a distância entre nós e nós, somos levados a acreditar que aquilo que os professores nos deram nos pertenceu desde sempre. Mais do que acharmos que esse material é nosso, achamos que nós próprios somos esse material. Por ironia ou capricho, é nesse momento que o trabalho dos professores se efectiva. O trabalho dos professores é a generosidade.
Basta um esforço mínimo da memória, basta um plim pequenino de gratidão para nos apercebermos do quanto devemos aos professores. Devemos-lhes muito daquilo que somos, devemos-lhes muito de tudo. Há algo de definitivo e eterno nessa missão, nesse verbo que é transmitido de geração em geração, ensinado. Com as suas pastas de professores, os seus blazers, os seus Ford Fiesta com cadeirinha para os filhos no banco de trás, os professores de hoje são iguais de ontem. O acto que praticam é igual ao que foi exercido por outros professores, com outros penteados, que existiram há séculos ou há décadas. O conhecimento que enche as páginas dos manuais aumentou e mudou, mas a essência daquilo que os professores fazem mantém-se. Essência, essa palavra que os professores recordam ciclicamente, essa mesma palavra que tendemos a esquecer.
Um ataque contra os professores é sempre um ataque contra nós próprios, contra o nosso futuro. Resistindo, os professores, pela sua prática, são os guardiões da esperança. Vemo-los a dar forma e sentido à esperança de crianças e de jovens, aceitamos essa evidência, mas falhamos perceber que são também eles que mantêm viva a esperança de que todos necessitamos para existir, para respirar, para estarmos vivos. Ai da sociedade que perdeu a esperança. Quem não tem esperança não está vivo. Mesmo que ainda respire, já morreu.
Envergonhem-se aqueles que dizem ter perdido a esperança. Envergonhem-se aqueles que dizem que não vale a pena lutar. Quando as dificuldades são maiores é quando o esforço para ultrapassá-las deve ser mais intenso. Sabemos que estamos aqui, o sangue atravessa-nos o corpo. Nascemos num dia em que quase nos pareceu ter nascido o mundo inteiro. Temos a graça de uma voz, podemos usá-la para exprimir todo o entendimento do que significa estar aqui, nesta posição. Em anos de aulas teóricas, aulas práticas, no laboratório, no ginásio, em visitas de estudo, sumários escritos no quadro no início da aula, os professores ensinaram-nos que existe vida para lá das certezas rígidas, opacas, que nos queiram apresentar. Se desligarmos a televisão por um instante, chegaremos facilmente à conclusão que, como nas aulas de matemática ou de filosofia, não há problemas que disponham de uma única solução. Da mesma maneira, não há fatalidades que não possam ser questionadas. É ao fazê-lo que se pensa e se encontra soluções.
Recusar a educação é recusar o desenvolvimento.
Se nos conseguirem convencer a desistir de deixar um mundo melhor do que aquele que encontrámos, o erro não será tanto daqueles que forem capazes de nos roubar uma aspiração tão fundamental, o erro primeiro será nosso por termos deixado que nos roubem a capacidade de sonhar, a ambição, metade da humanidade que recebemos dos nossos pais e dos nossos avós. Mas espero que não, acredito que não, não esquecemos a lição que aprendemos e que continuamos a aprender todos os dias com os professores. Tenho esperança.
José Luís Peixoto, in: revista Visão (Outubro, 2011)
quinta-feira, 1 de dezembro de 2011
Crônica: A Caixa - Erivelto Reis
Erivelto Reis
Numa caixa cabem sentimentos que a gente nem lembrava que tinha. Como numa música antiga que a gente cantarolava sem saber sequer de onde é que ela vinha. Uma caixa pode ser de bombom, de boneca, de música, de jóias, torácica, craniana, de leite – como o dente – d’água – como a gente –, de supermercado, econômica, de sapato... tem gente que acha que caixa é lugar de guardar apenas o que ficou no passado.
Entendo que a caixa é o lugar onde você sepulta aquilo que até pode ser ressuscitado. Uma carta de amor, um poema mal escrito e os bem escritos que serão, quem sabe, aproveitados. Um bilhete antigo, escrito por um dileto e distante amigo. Interessante: as coisas que cabem na caixa ocupam na mente e no coração o mesmo lugar que ocupavam antes. Quando antigamente era perto. Não as deixamos guardadas em caixas para não perdê-las. Deixamos para preservá-las. Talvez, até, para afastá-las. Para nos livrar de ser quem somos quando elas não nos deixam esquecê-las.
Uma caixa é um esconderijo e tanto para uma lágrima que escorre; para o sorriso que não espera retribuição; primeira mamadeira do filho, uma mecha de cabelo; lembrança de primeira comunhão; documento oficial; é o porta-retrato ideal pra foto de alguém que faz falta. Uma caixa é um portal, uma ponte... um disfarce. Espelho de se revelar a face. De ocultar remorsos, saudades, detritos e destroços: sonhos-objetos que caem nas caixas, como pedras-perdas que se atiram em poços. Uma caixa pode ser um lago raso mais profundo. Um sair narcísico das profundezas do que restou de nós no mundo.
Caixas são sinônimos de fartura e de prosperidade no Natal. São indicadores econômicos contundentes do aquecimento da produção da indústria nacional. Uma caixa pode vir com um elo, um pedido matrimonial. Com fitas douradas, acetinadas, ornamentadas pacientemente. Segurá-las, recebê-las e embalá-las é o pré-regozijo que antecede a visão do presente.
Uma caixa é uma casa, um sofá, um travesseiro, uma mala, um guarda-roupa, uma cama, uma coberta... se rasgada, se fechada, se aberta, se forrada pra servir de abrigo pra quem dorme embaixo de um viaduto, na sarjeta de qualquer lugar do mundo ou na calçada da Central. Uma caixa, vista assim, não pode ser motivo de orgulho. A fome, o frio e o desatino não aceitam embrulho. Isso não se encaixa (é a moral baixa, e o moral idem de uma cidade, onde ricos e pobres se dividem, se agridem). Esse não pode ser o destino do nosso país. Quem depende de rasgar e de existir na caixa pra sobreviver, não pode ser muito feliz. Caixa, só como objeto, não pode ser casa e brinquedo de nenhum menino, vitrine de manipular. Invólucro do desejo de se anular; recipiente do limite, sinal do obstáculo que não se pode ultrapassar.
Uma caixa pode ser depósito de contas, de contos, de carnês, de notas promissórias. De rascunhos de palavras que deixaram ou que um dia entrarão pra história. Pode conter contracheques, certidões, documentos de toda espécie. Segredos recorrentes que a gente não abandona; ponta do iceberg de mistérios que não podem vir à tona.
Talvez uma caixa seja apenas um símbolo. Signo de um belo presente, de uma lição para o futuro; da saudade do que se passou. Marca de um valor que não está somente no preço do objeto contido, tem valor estimativo que, como diria o poeta Primitivo, acaba tendo “muito valor”.
domingo, 27 de novembro de 2011
Erivelto Reis recebe homenagem da ASBAERJ
O Professor, poeta e escritor Erivelto Reis receberá um Diploma da Ordem do Mérito da Academia Soberana Brasileira de Artes do Estado do Rio de Janeiro por sua atuação nas áreas da Arte, da Educação e da Cultura no Estado do Rio de Janeiro.
A solenidade será:
Data: 29 de novembro de 2011, terça-feira, às 15 horas.
Local: CONFALB / FALARJ (Edifício do I.H.G.B.)
Rua Teixeira de Freitas, nº. 05 / 3º. andar / sala 303 Passeio Público, centro do Rio de Janeiro - RJ.
Saudações acadêmicas, Edinira Silveira

domingo, 20 de novembro de 2011
Prof. Erivelto Reis faz palestra no Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos
Crônica: Edredom Verde - Erivelto Reis
Um amigo afirmou que um edredom verde que ganhara lhe trouxera impressões e visões de uma pessoa recém-morta. Realmente é de preocupar. Não sou supersticioso, mas evito passar embaixo de escada, bem como cair de uma – embora já tenha caído. Evito gato preto, angorá, gato da Light e da CEDAE, quando dá. Sou como boa parte dos brasileiros: acredito que água benta e aguardente podem servir pra cuidar de uma gripe e pra elevar o pensamento pros santos. Pé de coelho e coelho ensopado, tô fora! Espelho descoberto, ficar sem camisa, cortar cabelo, segurar faca, em momento de raios e tempestades, também não rola.
Não sei se meu amigo viu ou não viu o edredom verde se mexendo. Acredito desacreditando e desacredito afirmando que... sei não. Tudo é possível. O edredom verde tem até uma leitura metafórica, em relação àqueles que têm sua última morada no estilo jardim da saudade. A imagem da grama como edredom verde que cobre e conforta sepultados como a aquecê-los do frio eterno, prometendo protegê-los do esquecimento. Haja Paciência!
Não gosto do confinamento da morte. Mas há quem goste. Quem erija monumentos, odes. Há quem a suporte, explique e conforte com religião, metafísica explicação ou com um galão de Jurubeba Leão do Norte.
Antes que eu me esqueça, também não dá pra confundir alma penada, com coisa inventada, visão embaçada de gente estressada, ou sarcasmo de quem não acredita em nada. Isso vale até pra você que, como eu, até bem pouco tempo confundia fantasma com ET. Fantasma é o vulto que a gente pensa que não vê. Enquanto ET é gente do outro mundo que a gente cisma que vê. Como quando um bom poeta declama um lindo poema pra você. Se pintarem de verde, então, não tem como não parecer.
Sei de muita gente que é destemida, que revida. Que bota assombração pra correr. Que acende vela pras almas, que manda rezar novena. Que paga caro no cinema pra ver o espírito aparecer. Sei que há também gente medrosa, apavorada, desesperada. Que não pode nem pensar em horas extremas, últimos dias, momentos derradeiros. Entre uma ponta e outra, entre mortos e feridos, está o resto do mundo inteiro.
Não importa o que a NASA e a Igreja digam. Não gosto que me assustem, que me intimidem, que me pressionem, que me persigam. Se querem mandar uma mensagem, usem a criatividade, dispensem minha mediunidade claudicante, minha visão holística, astrológica, metafísica. Mandem um e-mail, com o assunto: “Importante”. Que não seja campanha, corrente, repassando ou encaminhando. Mandem uma informação autoastraltuitando.
A dor de quem perde alguém não passa com remédio. Nem mesmo sei se tem cura. Perdi minha avó e dois ou três amigos queridos e até hoje não me curei. Sofro até com a dor alheia. Sofrimento sentido assim, de meia, é uma coisa feia. É o latifúndio da dor que distribui lembranças e cruzes, à margem de covas de sete palmos, jazigos perpétuos, gavetões de cimento e gelo. Marca de calendário, dia de desaparecimento, interrupção fatal. Coroa de flores, cheiro de murta. Última lágrima. Tempo que custa a passar.
Não é que falte quem console. Há quem não se deixe consolar. A morte é a morte da morte. Você pode não perceber! Covas, sepulturas, campos santos, cemitérios, jazigos, crematórios e o que mais aparecer. O jardim da saudade é o céu, mas poderia ser o mar. Edredom verde talvez não seja o jardim da saudade. Quem sabe, um jardim de sempre lembrar.
terça-feira, 25 de outubro de 2011
O Poeta e Cronista Erivelto Reis relançará seu livro na VI JORNADA NACIONAL DE LINGUÍSTICA E FILOLOGIA DA LÍNGUA PORTUGUESA
O Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos tem o prazer de informar sobre o “LANÇAMENTO DO LIVRO "SOMOS - CRÔNICAS E POESIAS” na modalidade de Comunicação Oral na VI JORNADA NACIONAL DE LINGUÍSTICA E FILOLOGIA DA LÍNGUA PORTUGUESA, que se realizará nas FACULDADES INTEGRADAS CAMPO-GRANDENSES no dia 05 de novembro de 2011.
domingo, 16 de outubro de 2011
Crônica: A Confraria dos Relojoários - Erivelto Reis
Erivelto Reis
Assim, inauguramos a obsessão humana pela passagem do tempo e assim prosseguiremos até o último segundo. Vejam: não se pergunta simplesmente o nome de um bebê sem que se pergunte quanto tempo ele tem. Depois, só se lembram da data ou nem disso. A data é uma espécie de relógio que parou no tempo e que pelo menos uma vez por ano terá razão. Relógios e tempo são assuntos pontuais na estranha e invisível máquina da condição humana de existir.
Sinceramente, não me surpreende o fascínio que as pessoas têm pelo tempo e pelos relógios. Eu as respeito e espreito. Flávios, Freds, Umbertos, Arildos, Paulos, Primitivos e tantos mais, perdendo ou ganhando tempo diante de vitrines, em balcões de relojoarias e joalherias ou, como eu, nas bancas de camelô, escolhendo, comparando, comprando modelos, sonhos e desejos.
O brilho dos mostradores tal qual o espelho da madrasta no imaginário popular marcado a fogo e sombra, a indagar: “espelho, espelho meu, blá, blá, blá...” – substitua por “tempo, tempo, tempo, blá, blá, blá...”, de Caetano Veloso e parece claro que o relógio é o espelho individual de ver o tempo que passa. De ver o que ganhamos e o que perdemos. É o espelho de nos projetar no tempo futuro, no momento que agendamos para passarmos por lá. Um relógio é uma fatia de bolo que nos lembra de partilhar o tempo. Ou deveria ser, sei lá.
Filósofos, sociólogos, pedagogos, literatos, tecnocratas, operários, professores e artistas sabem do segredo. Não é futilidade, subjetividade tacanha. É a constatação de que não importa a ocupação funcional, o dom celestial, a capacidade laboral ou a formação profissional que o indivíduo tenha, ostente ou conquiste, a verdade é uma só, desde que o mundo existe: há poesia em observar o tempo. E não há capacidade criadora que resista à praticidade de olhar o tempo num “mecanismo de precisão”, num “cebolão”, num símbolo de status e ostentação, numa réplica à perfeição, numa barata imitação.
Pergunte a Santos Dumont, que tirou o homem do chão, mas só aprendeu a voar quando teve o tempo ao seu dispor num dos pulsos. É o impulso criador que move o mundo, como num relógio, a cada segundo.
Relógios de modelos digitais, geniais, clássicos, inovadores, de parede, de corrente, de anel, relógio londrino monumental, relógio cuco, de carrilhão, o relógio público da Central. Relógio de sol, na tela do computador, com ou sem mostrador, relógio com a máquina aparente, com pulseira de aço, de borracha, de napa, de plástico, de couro, de silicone, de ouro. Relógio como eterna opção de presente, para cronometrar o esporte e o momento da derrota ou da vitória. Relógios que vêm com um carro pelo lado de fora.
Consultado para registrar o direito ao salário do operário; para marcar o criativo momento do hábito de nosso ócio crítico e ácido; para assinalar nosso último suspiro na certidão de óbito. Para garantir que a noiva se atrase em qualquer casamento, para pesar nos centésimos de nossos sofrimentos. Para eternizar a hora de nosso nascimento. Para marcar nosso tempo de esperar na fila, para ajudar a supor os motivos de quem nos faz esperar.
A fome é o relógio do corpo, o amor é o relógio da alma (esse, às vezes atrasa ou para de funcionar). O tempo é o relógio da vida. Relógio é obra de arte parada que se mexe. É o livro das horas ganhas e perdidas. É utensílio, é instrumento que mede e pelo qual a sociedade decidiu medir a importância de um homem: quanto menos tempo ele tem para ouvir, ler, conversar e abraçar, mais importante ele parece ser. Será?
A saudade é o relógio do passado, a gaveta é o relógio do guardado. A memória é um relógio escangalhado. A bússola é o relógio do mundo, a biruta é o relógio do vento. O medo é o relógio do silêncio. Um relógio é a bula de um remédio que cura todos os males. É a joia da esperança. É algema que nos prende ao tempo. É um link, um insight, um flashback, um porta-portrait, uma desculpa de pensar no idioma inglês. Quem ainda não teve um relógio, tenha fé que um dia terá.
Convido, sem ser convidado, a que todos ingressem na Confraria dos Relojoários. Uma confraria dedicada e formada por todos aqueles que gostam, que usam, que admiram, que colecionam e que pagam para ver o tempo passar, mas que não o deixam passar impune. E mesmo assim ele passa.
segunda-feira, 11 de julho de 2011
Crônica: É, Pai... - Erivelto Reis
Erivelto Reis
É bom que meu pai nem saiba o quanto por mim é amado. Senão é capaz de chorar. Não é amor negado. É amor velado. Guardado. É um amor manipulado para não manipular. É Caixa de bibelô. Coisa que se faz de frágil para não fragilizar. É amor verdadeiro. Ou que um dia será.
O amor paterno é um amor profundo. É um amor sagrado. É santo de barro no andor da vida. Copo que não se derruba. Aceno gentil de mão. É minha mais antiga ruga. É a vida dura. A curva da estrada. É perder o medo do escuro. É não ficar inseguro.
É bom que ele nem pense no quanto por mim é amado. Senão é capaz de chorar, é capaz de sofrer. De pedir perdão por coisas que eu não possa perdoar porque não saiba esquecer. É bom que ele não pense. Que apenas sinta. Talvez evite que eu minta.
É bom que ele me inclua e que conte comigo. Que, mais do que pai, queira ser meu amigo. Que seja honesto. Que ame os netos. Para se redimir. Para exemplificar. Para que prove que é sempre possível melhorar.
É bom que ele não leia. Que não me leia. Que ignore meus textos de ar e matéria. Mas que saiba, por portador fidedigno, que é pai de um menino que escreve versos e loas, que é até gente boa. Embora não chegue nem perto da popularidade de seu pai. É bom que não se compare. Que compreenda que a vida é assim. É bom que ele não saiba, mas que dê pistas de que, de vez em quando, pensa em mim.
É bom que ele não saiba do meu orgulho, do meu respeito e que o imito... do meu jeito. Talvez eu não dissesse antes, por sentir menos, por não perceber que sentia. Sentimento não é ciclo de vida. Ciclo de vida é tempo que a gente sente passar enquanto não sente amor.
Mas chega um tempo em que somos sinceros para elogiar e não para fingir. Para pedir desculpas e não para agredir e afastar. Chega um tempo que é tempo de ouvir e de ficar calado. Chega um dia que é feito para abraçar. Escrever homenagens, mensagens, falar de saudades e de remorsos.
Talvez para desejar que o amor entre pais e filhos perdure até o final dos tempos. Até no tutano dos ossos.
sábado, 9 de julho de 2011
Crônica: Resto de Coca-Cola - Erivelto Reis
Criança fora da escola. Trabalhador sem salário. Gente pedindo esmola. Exploração no trabalho. Solteirona que persegue. Alcaguete que não negue. É resto de Coca-cola.
Porteiro, irmão do ricaço. Fazer papel de palhaço. Figurante atrás da árvore e sem fala. Barba rala. Pedaço fraco de barbante. Falta de descongestionante. É resto de Coca-cola.
Dor de dente. Visita de parente. Pente quebrado. Operário acidentado. Professor doente. Servir cerveja quente. É resto de Coca-cola.
Braguilha desembestada. Homem, velho ou novo, sem palavra. Foto da identidade. Quem nunca fala a verdade. Nota falsificada. Levar tombo da escada. Gente que não vale nada. É resto de Coca-cola.
Menino que usa droga. Homem que bate em mulher. Noiva que “dá no pé”. Falta de educação. Soberba. Submissão. É resto de Coca-cola.
Falta de pontualidade. Ferir, com sinceridade. Ficar feliz com a maldade. Agredir, entrar “de sola”. Inveja. Injustiça. Impunidade. É resto de Coca-cola.
Humilhar quem quer que seja. Calúnia. Injúria. Penúria. Não dividir a despesa. Malícia. Preguiça. Avareza. Ira. Falta de mira. Luxúria. Marido que trai. Surra do pai. Avó que falta, mãe que maltrata. É resto de Coca-cola.
Poema desperdiçado. Texto mal revisado. Vizinho desaforado. Depender do Estado. Família que só discute. Fotomontagem no Orkut. Aneroxia. Bulimia. Bullying. Vídeoesculacho no Youtube. Perfil falso no Facebook. É resto de Coca-cola.
Atacante, impedido, pedindo bola. Doping. Cabelo na mariola. Disco arranhado na vitrola. Dormir sozinho. Trocar presente. Bueiro que explode gente. Explicação pouco convincente. É resto de Coca-cola.
É coisa que ninguém quer. Que esqueceram. Que abandonaram. Irrefletido, desagradável, inconcebível, Inaceitável. Não é bonito. É agressivo. Que não faz bem. Que jogam fora. Resto de Coca-cola é resto de Coca-cola.
segunda-feira, 13 de junho de 2011
Erivelto Reis e alguns mestres da Literatura brasileira
domingo, 29 de maio de 2011
Poema: Chamada - Erivelto Reis
Erivelto Reis
Os presentes e os faltosos
Os corretos e os enganosos
Os sábios e os exaltados
Os serenos e os malhados
Os discretos e os pirados
Os melhores e os falhados
Os primeiros e os parados
Os honestos e os otários
Os mentirosos e os manipulados
Os fortes e os esforçados
Os fracos e os fracassados
Os doentes e os curados
Os românticos e os lesados
Os obscuros e os iluminados
Os brilhantes e os travados
Os indecisos e os acovardados
Os vencedores e os derrotados
Os obscenos e os moralizados
Os solteiros e os separados
Todos estressados quando
Decidem trocar de lado.
segunda-feira, 23 de maio de 2011
Crônica: Buscar o menino - Erivelto Reis
BUSCAR O MENINO
Erivelto Reis
Nada disso. Não dá trabalho, não. Esse aqui é o meu filho. Passa um sábado e um domingo comigo. Fala oi pro tio, Luizinho. Venho buscar o menino a cada duas semanas. Isso é sagrado. Falto ao trabalho, mas não falto à visita. Se não a ex já implica. Antes eu dizia: “ô, mulher, abre aí, que eu vim buscar o moleque!” E ela, descacetada: “Que moleque que nada! Moleque é o filho dos outros, é o filho dos nossos vizinhos”. Conhece esses tipos de gente, que agride com as palavras como quem desse carinho?...
Sabe como é, né? A gente não se acertou. Erro de parte a parte. Briga pra todo lado e, no meio dos nossos pecados, o menino sobrou. Agora, tu mesmo tá vendo, ele tá sorrindo, brincando... Mas na hora que as coisas se passaram, que o bicho tava pegando, com agressão de lado a lado, a gente de cabeça quente e a caninha lubrificando as mensagens da mente; nossa, mas o garoto sofria! A mulher fez trutagem com a sogra selvagem, escondeu o menino, pediu pensão, passou na minha cara com o Valadão, o ex-parceiro de garagem que dirigia o busão.
Pois é, se fosse noutros tempos, me chamavam de “leão”. Sou trocador, porteiro de lotação, cobrador, roleteiro, catraqueiro. Sou um pai, com um filho no colo, inventando uma imagem, uma passagem que não machuque a sua ilusão. Hoje ele fica com os primos, na casa da minha mãe. Amanhã, vai comigo ao maraca, pra ver o meu mengo jogar. Acredita que até vascaíno ela fez o moleque virar?! Mas, não falo mal da mãe dele, quando ele está por perto. Pra não traumatizar o garoto, que isso não é direito, que isso não está certo. É uma questão de princípio, de respeito. Não é como dinheiro que a gente perde e procura porque tá sem. Respeito é um troço capitalista que mais se dá a quem mais tem.
Minha mãezinha é uma santa. Não é mulher de pilantra. Mulher de pegar no pesado, mulher de xepa da feira, mas comida no barraco não faltava, de segunda a segunda-feira. Trabalhava em casa de madame, em casa de emergente, em casa de pobre também, pra não faltar de um tudo pra gente.
Estudo, eu tive pouco, mas aprendi a fazer troco. E sem querer me gabar, na minha profissão eu sou o melhor que há. Pego dobra, mudo a linha. Sou pontual e caxias. Cativo os passageiros, agrado as senhorinhas...
Fica com Deus, amigo, deixa eu me adiantar. Que vida de pobre é assim: a gente não pode parar. Tenho que buscar meu sustento, meu filho e a felicidade. Vou descer no próximo ponto, que é parte do itinerário. De lá, pego mais duas conduções até chegar ao destino. Vou cansado, mas vou contente. Porque a infância, quando é boa, alegra a vida da gente. Por isso, protejo o menino; meu filho, meu ideal. Para que ele cresça feliz, seja um sujeito legal. Que tenha sorte na vida, que estude e que trabalhe. Que saiba que nesse mundo, não importa a profissão, a dignidade é o que vale.
Ô motor, quebra essa, já puxei a campainha! Qualquer hora a gente toma aquela cerva geladinha. Tô indo nessa, companheiro, manda um abraço pro pessoal. Vida estranha essa nossa: a gente não vê o itinerário, não escolhe o nosso destino, mas conhece o ponto final.