CINEMA COM PIPOCA E GUARACAMP
O BONEQUINHO DEGUSTOU
8/10 – Adam Sandler: ou como se fosse a primeira vez
Fui convidado pelo Bonecão, cronista
criado pelo napolitano, toscano, calabrês, piemontês, sardenho, siciliano (tô
começando a entender a relação dele com a culinária...), ítalo-português-hispânico-asteca-tupi-guarani
brasileiro Roberto Bozzetti, último cacto do lácio, professor apaixonado por
cinema, paratagmas e provocações sócio-judaico-cristãs a listar as minhas dez
comédias preferidas. Isso já tem mais de um mês. Chego agora à oitava
indicação.
Enquanto isso, no decorrer de apenas um mês, o insular e
meridional cronista já escreveu 20 crônicas sobre cinema, já produziu 40 pratos
diferenciados de alta gastronomia, já arrumou e espanou sua vastíssima
biblioteca, já adotou dois gatos, já leu duas teses, já foi banca em duas
dissertações, participou de uma live em que discutiu a origem dos cancioneiros
e sua relação com a música popular a partir dos vilancetes; escreveu sobre
livros fundamentais, pessoas em que daria toalhadas, provocou diversas vezes o
professor, seu best friend forever,
Marcos Pasche... seguir o líder não é garantia de vida fácil.
Agora, duvido que ele tenha assistido a três novelas
inteirinhas na Globoplay (Tieta, Vale tudo e Fera Radical) e maratonado
Lúcifer, La casa de papel, Killing Eve, Chuck, Smallville, Friends, Fleabag, The
Walking Dead, Supernatural, Grey’s Anatomy, Anne With an E, e Modern Family...
Duvido mesmo que ele quisesse fazer isso. Vamos ao oitavo filme da famigerada
lista.
O filme de hoje marca a presença de um comediante (ator, diretor e roteirista) proeminente nos blockbusters a partir da segunda metade dos anos 90: Adam Sandler. Escolhi apresentar como marco inicial os filmes COMO SE FOSSE A PRIMEIRA VEZ (2004), com Drew Barrymore; e ESPOSA DE MENTIRINHA (2011), co-estrelado pela atriz Jennifer Aniston. As histórias são simples, como, aliás, todas as histórias contadas por Sandler. Situam-se em um dos três eixos de sua produção:
1) Rapaz encontra moça, decide conquistá-la;
2) Sujeito fora dos padrões de “normalidade” aprende as
regras do jogo social e o modifica;
3) Sujeito com uma visão idealizada e particular do
mundo confronta-se com a realidade.
As décadas de 90 e os anos 2000 trazem a consolidação popular
de três comediantes em particular: Jim Carey (O Máscara, Debi & Lóide, Ace
ventura, O mentiroso, O todo poderoso, Eu, Eu mesmo e Irene, O show de Truman);
o também diretor, ator e roteirista, Ben Stiller (Entrando numa fria, – as
continuações: maior ainda e com a
família ao lado de medalhões com Dustin Hoffman, Robert de Niro e Barbra
Streisand –; Quem vai ficar com Mary?
Quero ficar com Polly, Um maluco no golfe – com Sandler; Antes só do que mal
casado, O Pentelho – como diretor de Jim Carey; a franquia: Uma noite no museu e,
ao lado de Dustin Hoffman, na inteligente comédia Família a gente não escolhe );
e Adam Sandler (Um maluco no golfe, O paizão, A herança de Mister Deads, Click,
Espanglês, Gente Grande 1 & 2; Cada um tem a gêmea que merece – com participação
de Al Pacino, Tratamento de Choque – com Jack Nicholson, Garota veneno – com seu
quase inseparável partner Rob Schneider e a comediante Anna Ferris, de Todo
mundo em pânico; Eu vos declaro Marido e... Larry, Golpe baixo) e,
especialmente, ESPOSA DE MENTIRINHA (2011) e COMO SE FOSSE A PRIMEIRA VEZ (2004),
com Drew Barrymore.
Em COMO SE FOSSE A PRIMEIRA VEZ, um rapaz namorador,
conquistador e volúvel envolve-se com uma moça e descobre que a final de cada
dia ela tem a memória zerada devido a um acidente que deixou sequelas em seu
cérebro. E, ao se aproximar mais dela, apaixona-se e tem a tarefa de fazer com
que ela se apaixone por ele todos os dias como se fosse a primeira vez. Claro
que a moça tem um irmão atrapalhado como alívio cômico, um pai que a ama e
protege e tutores por toda a ilha havaiana. Aliás, a beleza e o exotismo das
locações são outro dado interessante a ser considerado nas produções de
Sandler. O ator volta a contracenar com Drew Barrymore uma década depois na
comédia familiar: Juntos e misturados.
Em ESPOSA DE MENTIRINHA,
um jovem judeu (não há filme de Sandler que não tenha pelo menos uma dezena de
piadas de judeu), às portas do casamento descobre a traição da noiva.
Desmanchado o compromisso, afogando as mágoas num bar, o recém-separado
descobre o fascínio que a aliança de casamento e a história da traição desperta
na audiência feminina. Passa o tempo e encontramos o jovem judeu formado como
cirurgião plástico bem sucedido, riquíssimo e requisitado, dando o mesmo golpe
da aliança nas moçoilas incautas.
Sua assistente, divorciada e mãe de dois filhos, pra lá de
espertos, vivida por Jennifer Aniston acaba recrutada para viver o papel da
esposa de mentirinha quando uma sucessão de mentiras contadas a uma jovem
ingênua e belíssima o faz inventar uma esposa de quem estaria se divorciando.
A farsa faz com que a falsa família, a jovem namorada e um
amigo do cirurgião passem por uma semana inteira num resort no Havaí onde muita
confusão pode acontecer. Como eu disse, roteiros simples. Sem pontos de virada,
ganchos... Diversão de comédias de costume gourmetizadas por Hollywood e com o
toque pessoal de Adam Sandler. Um jeito de contar história que cativa seu
público, atrai o fascínio e o prestígio de celebridades e personalidades do
esporte e do entretenimento norte-americano, que se oferecem para participar de
seus filmes, e o retorno dos investidores. Uma combinação bastante satisfatória
para alguém que pretensamente queira fazer rir e ganhar dinheiro com isso.
Talvez seja um exagero supor – além dos três eixos de
recorrência dos enredos de Sandler – supor que suas produções se repitam, mas
os traços das personagens – uma visível verborragia à maneira de Jerry Lewis e
uma visível consciência da própria inadequação das personagens à maneira de Eddie
Murphy – constantemente se aproximam ou se equiparam. O ator possui um público
fiel, especialmente no Brasil, embora, em termos comerciais tenha um rendimento
de bilheteria considerado mediano com retorno de 3,2 para cada dólar investido.
Em outras palavras, trata-se um investimento de retorno baixo, porém de retorno
garantido, dada a sua popularidade. E desde 2015, tornou-se um dos poucos
atores/roteiristas de cinema com contratos exclusivos para produção na gigante
do streaming Netflix. Seus três últimos filmes pela distribuidora: Os seis
ridículos (uma comédia no melhor estilo faroeste), Mistério no Mediterrâneo (essa
comédia também em parceria com Jennifer Aniston) e o drama (surpreendente
atuação do ato) Joias brutas estiveram entre os campeões de streaming da
Netflix.
Assim, comédias besteirol como as das franquias Todo mundo em
pânico e American Pie, as sátiras e paródias (não é mais um besteirol
americano, Inatividade paranormal, etc.), e esses comediantes mantém o gênero
em evidência. Claro que comediantes como Woopy Goldberg, Cris Tucker (em
parceria com Jackie Chan), Roman Atkinson (o Mr. Bean, Johny English), Rick
Moranis (Os caça-fantasmas, Os flintstones, Spaceballs, Querida encolhi as
crianças), Mike Myers (da franquia Austin Powers, Quanto mais idiota melhor,
Sherek), constroem uma filmografia bastante significativa em termos de gênero.
Naturalmente, em se tratando de cinema norte-americano, principalmente em
termos de mercado.
Ocasionalmente, Wood Allen vai produzir marcos
cinematográficos, como Poderosa Afrodite (1995), Meia-noite em Paris (2011) e
Para Roma, com amor (2012), que a meu ver, tonam-se cults quase imediatamente e
reposicionam crítica e tecnicamente o gênero durante o período.
Observa-se ainda a “sobrevida” de mestres da comédia como
Steve Martin (12 é demais 1 (1991) & 2 (1995); e Eddie Murphy (Dr.
Dolittle, A creche do papai, Norbit, O professor aloprado, Sou espião, Meu nome
é Dolemite) e a produção de obras pelos comediantes Martin Lawrence (A vovozona,
um Tira no pedaço, Loucuras na idade média), Os irmãos Wayans (O pequenino, As
branquelas,); Jack Black (Marte ataca, O amor é cego, A escola do Rock e Nacho
Libre, As viagens de Gulliver).
Há a ocorrência e a inserção eventual de outros gêneros na
comédia, tornando-a híbrida, como mencionado em crônica anterior, em filmes
como: Um tira no jardim de infância, O último grande herói, Herói de brinquedo,
com Arnold Schwarzenegger; Sherlock Holmes, com Robert Downey Jr; A máfia no
divã, Entrando numa fria, Hora do Show, com Robert de Niro.
Merecem menção ainda as comédias protagonizadas por Robin
Willians, especialmente em, Uma babá quase perfeita, O homem bicentenário,
Jumanji, Uma noite no museu 1 e 2, por proporcionarem um repertório de
blockbusters que aqueceram as bilheterias, videolocadoras, serviços de
assinatura e, finalmente, os streamings.
Evidentemente que não me compete exercer um juízo de valor
estético e crítica sobre os filmes. Trata-se de uma lista, de impressões de
espectador e do gosto duvidoso que faz com que uma lista iniciada por Chaplin,
caminhe por tortuosos caminhos, não equiparando as obras, mas talvez
desconstruindo as certezas e registrando as memórias afetivas de quem escreve
sobre elas com indisfarçáveis gerúndios de quem ainda esteja formando os
conceitos, pensando sobre eles enquanto escreve como se fosse a primeira vez.
A arte culinária é do guru da ONU e do Brejo para assuntos de
cinema e boa mesa, Roberto Bozzetti. Eis
um Risoto de polvo produzido em 25 de agosto de 2020 pelo dândi facebookiano kafkaesca
e concomitantemente à reforma e reorganização de sua biblioteca de
aproximadamente 5.000 títulos afora as apostilas e xeroxes...
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Sandler e Barrymore (2004) |
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Sandler e Aniston (2011) |
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Risoto de polvo produzido em 25 de agosto de 2020 por Roberto Bozzetti. |
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Biblioteca Brasiliana
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