"Sobre a reabertura das escolas do Estado durante a pandemia"
Erivelto Reis
Nesse exato momento, há mais de 50
municípios do Estado do Rio de Janeiro cujas escolas da rede estadual estão
sendo usadas como propagadoras do vírus da Covid.
Seus funcionários e funcionárias,
professores e professoras, alunos e alunas sendo submetidos/as à exposição, à
propagação ao contágio e à doença. Quem será responsabilizado por isso?
Entre a casa e a escola, o vírus vai
na mochila, no uniforme, na máscara usada de forma inadequada, subtraída ou
ausente até que, num teatro patético, seja colocada diante do portão da escola
para burlar grotescamente as recomendações mais básicas de saúde pública.
Pais e mães negacionistas,
assintomáticos, convalescentes da doença vão à porta das escolas de bicicleta, a
pé ou de carro, e alguns aproveitam e usam do mesmo expediente de usar a
máscara apenas para fingir submeter-se a uma exigência legal, e não por
respeito à vida dos profissionais da educação, ou às vidas humanas, para
solicitarem atendimento na secretaria das escolas ou junto às equipes de
direção e de coordenação. O vírus circula poderoso e onipresente como um deus
da morte. Quem vai responder por isso?
Na saída da escola, depois de um
turno de aula, dezenas de alunos subtraem as máscaras, se aglomeram, se
cumprimentam e esperam o ônibus que os levará e aos vírus de volta para as suas
casas, direto para a destruição dos pulmões de seus familiares ou para a ruína
de famílias inteiras.
Pressionados pelas coordenadorias
metropolitanas, colegas convocam colegas a comparecerem às unidades escolares
em municípios onde as taxas de contágio estão altíssimas para que retirem ou
tenham contato com avaliações em papel, oriundas de casas e de lugares onde possivelmente
haja exposição ao vírus. Esses papéis são arremedos de avaliação apenas para
livrar a cara do governo, de seu secretário e assessores quanto à ineficácia,
ineficiência e desinteresse pela educação pública. Quem vai responder por isso?
Assim, o professor tem sua jornada
duplicada, triplicada, seus recursos particulares – seu computador, seu
celular, sua internet, sua eletricidade, por exemplo –, utilizados pelo governo
sem qualquer compensação, sua jornada de trabalho ampliada indefinidamente
conforme a demanda – trabalha na escola, na plataforma on-line, no celular, na
correção de material impresso e na correção dos trabalhos virtuais, em reuniões
as mais diversas.
Verifica-se que a categoria
profissional fica dividida, categorizada, rotulada – os cordatos e empáticos X
os criadores de caso e briguentos/as – explorada, fragmentada pela ação de
colegas que se veem obrigados/as a reproduzir discursos em grande parte sem
qualquer fundamentação didática ou pedagógica e com altíssima característica de
assédio moral ou de demagogia política (alerta de spoiler: pode haver casos de
profissionais que reproduzam tais discursos porque concordam com eles), mas que
disfarçam com o uso de mensagens tóxico-positivas e textos passivo-agressivos.
Quem vai responder
por isso?
Nesse momento o governo se aproveita
mais ainda para atacar o funcionalismo, para criar mecanismos para nos punir
ostensivamente ou através de retaliações. Fecha turmas, registra de 12 a 15% a
mais de alunos e alunas do que a legislação permite a cada turma nos diários
das turmas virtuais (e olha que a legislação em educação pública no Brasil está
entre as mais perversas do mundo). Isso significa que a cada dez turmas o
governo fecha uma. Mas eles vão chamar a isso de “otimização”.
Enquanto o contágio se espalha e
ainda não há vacina para todos, o governo diz à população que está pagando
auxílio-tecnologia para os professores, enquanto obriga colegas a
trabalharem diuturnamente para manterem as escolas abertas. Assim, os
profissionais permanecem sob risco elevadíssimo de contágio, cumprindo funções
burocráticas, administrativas inerentes não apenas à gestão da escola, como
também a carências de apoio a questões de seguridade social que o governo
cumpre mínima e forçadamente através da exploração da mão de obra desses
profissionais, tendo as unidades escolares como referência.
Abandonados, há um grupo gigantesco
de alunos e alunas excluídos/as, cujas famílias os querem em segurança e sabem
que seu futuro está comprometido pela omissão histórica e pela ausência
absoluta de uma política inclusiva de educação remota no contexto pandêmico.
E há aqueles e aquelas que já não
estavam nem aí para a ideia de educação e escola como uma via real de acesso à
formação, à cidadania e à inclusão. Influenciados por líderes os mais diversos,
por mentiras, fake news... Para esses casos registram-se práticas tais como,
qualquer coisa, trabalhos feitos e entregues de qualquer jeito, fuga das aulas
remotas nas plataformas virtuais, nenhuma leitura, pouquíssima escrita,
práticas seletivas de exclusão de matérias específicas e direcionamento para as
quais vão se dedicar, copia e cola da internet sem qualquer aprendizado ou
construção de sentido ou a omissão completa desde que, ao final do segundo ano
letivo seguido durante a pandemia possa constar no sistema a palavra
"aprovado/a". E pouco importa se presencial ou remota, pois a escola
e a educação não lhes interessam de fato. Quem vai responder por isso?
Professores e professoras,
funcionários públicos da educação de um modo geral, seguimos sem aumento,
reajuste sequer das perdas inflacionárias e/ou decorrentes da não correção de alíquotas
fiscais. Antes, temos convivido com perdas salariais, aumento obrigatório do
valor de descontos em nossos salários, condições precárias de trabalho, assédio
moral, falta de autonomia e respeito à liberdade de ensino, desvalorização,
desrespeito e retaliações contínuas. Nossos colegas de firmas terceirizadas que
prestam serviços são demitidos sem qualquer amparo às centenas, ou seus baixíssimos
salários são pagos com atraso e descontos inexplicáveis que os colocam abaixo
do piso mínimo determinado pela Constituição.
Nesse exato momento, em mais de 50
municípios do Estado do Rio de Janeiro, a política do disfarce da incompetência
do governador e de seu secretário de educação dá curso a um Rio de
contaminação, morte e assédio moral contra servidores e servidoras e
principalmente contra a vida de alunos e alunas e das pessoas em seu entorno,
através da reabertura das escolas estaduais nesses municípios. 510.000 mortos
de Covid em um ano e meio não ensinou nada a essas pessoas. Nem despertou
qualquer empatia em seus corações ou temor pela justiça se ou quando ela vier.
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