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Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

quinta-feira, 1 de julho de 2021

Poema: "Pífio epitáfio do bom professor", de Erivelto Reis

 Pífio epitáfio do bom professor

Erivelto Reis


Quando eu morrer,

Hei de deixar o meu diário pronto!

(nada de morrer em sala, a não ser na de casa),

As notas já lançadas,

As médias perdidas e recuperadas calculadas,

Um relatório pedagógico,

Um planejamento estratégico,

Uma avaliação diagnóstica,

Quatro modelos distintos de provas digitadas,

Duas apostilas xerocopiadas e encadernadas.


Ao meu velório não comparecerão

Os meus amigos e amigas,

Companheiros de profissão e de estrada,

Pois estarão dando aula

E suas híbridas salas virtuais

E presenciais estarão lotadas,

E a escola, afinal, não pode ficar fechada.



Deus me livre de morrer

Ou pior: de deixar uma tarefa escolar inacabada...

Pois há uma reunião agendada,

Um COC, uma BNCC a ser implementada...

Tem um PNLL, três PDFs por fazer,

Um ofício, vinte e-mails pra responder,

Uma ocorrência e seis evidências

Para enviar por Whatsapp, nem que seja de madrugada.

Tem 20 maços de provas de 20 turmas diferentes

Em quatro escolas concorrentes, de três redes escolares,

De três municípios adjacentes

E em três turnos subsequentes...

Nas quais eu trabalho diuturnamente para sobreviver,

Tendo os supervisores em meus calcanhares

E dezoito projetos urgentes

Em uma dinâmica excelente que não se pode interromper.



Quando eu morrer,

Que minha caligrafia seja boa,

Para que qualquer um possa entender.

Que minha senha seja fácil

E a nuvem seja baixa

Para o download dos meus arquivos

Não demorar e não ocupar lugar em novo HD.

Todo esse back-up, a cópia no pen-drive, via porta USB,

O comunicado ao RH, à metro, à CRE e ao DP

E a desocupação do meu armário

(Como era organizado esse funcionário!)

A minha viúva ou mesmo um dos meus filhos poderá fazer.



Quando eu morrer,

E mesmo que não haja concurso para me substituir,

Eles vão superlotar mais as turmas

E dizer que estão trabalhando para evoluir.

Promoverão hibridismo, empreendedorismo

Esquecerão Paulo Freire e Jean Piaget

E em seus lugares, porão, EAD,

Ensino remoto, vídeo do Youtube e monitoria,

Desprezarão pedagogos e estudos comprovados,

Afirmarão, sem ter estudado, inventarão dados,

E sem haver lecionado nem sequer um dia,

Dirão que o aluno não aprende

Porque a escola está ultrapassada e não provoca empatia.



Vomitarão tablets imaginários, chips e celulares fictícios,

Plataformas e aplicativos superfaturados,

E a velha conversinha de internet para todos e computador!

Dirão que estão organizando

Um novo ensino médio,

Que é o máximo de tão retrógrado e cerceador...



Quando eu morrer, se prepare,

Porque o futuro é estarrecedor!

Mesmo tendo sido uma boa pessoa,

E tendo trabalhado sempre com amor,

Essa gente não é de sentir pena, de se comover à toa!

Afinal, eu era apenas um simples professor...

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