Oriana
Quem sou eu

- Erivelto Reis - Poemas e Crônicas
- Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.
segunda-feira, 28 de setembro de 2020
Poema: "Oriana", de Erivelto Reis
domingo, 27 de setembro de 2020
Crônica: "A Lógica do Censor", de Erivelto Reis
A LÓGICA DO CENSOR
Erivelto Reis
A
lógica do censor é que a sua função não seja condenável moral e eticamente
justamente porque, segundo seu raciocínio, repousa sobre seus ombros a
responsabilidade por impedir que a moralidade e o bem (definidos sob a ótica de
seu empregador) e não da coletividade, estão sendo protegidos.
A
pessoa que compactua com a censura, exercendo cargo por indicação,
comissionado, contratado ou não, não é capaz de ver que seu trabalho empurra
gradativamente a criatividade, o bom senso, o diálogo, a democracia para um
precipício de onde não se pode escapar sem dano, sem feridas.
O
censor (ou censora) não entende a dimensão da violência de sua atitude e o ódio
represado, tornado explícito de forma completa ou gradativa, sub-repticiamente por
seu empregador, seja este pessoa física, instituição, prefeitura, governo
estadual, federal, autarquia, secretarias, comissões, quartéis, porões.
Há
grande e indisfarçável hipocrisia no censor ou censora quando, portador (a) de
formação que tecnicamente lhe permitiria dialogar, escolhe exercer a censura
violenta, definitiva marca de oposição, seja à ideologia, ao exercício
profissional responsável do (a) outro (a), à sua expressão intelectual,
artística ou existencial, marcando-o (a), apontando-o (a) para deleite de seu
empregador. Aquele (s) ao (s) qual (is) seu trabalho como censor ajuda a expor,
colocar na berlinda, fragilizar, agredir velada ou publicamente, sofre (m) de forma indelével a humilhação de uma condenação sem base legal que afronta os códigos profissionais e a Constituição. Mas,
sobretudo, flagra-se a hipocrisia do censor quando, de formação inferior aos que censura, ou obscura e incerta, inseguro
(a), desconfia de tudo que lê, vê (ou nem vê), ouve, entende ou supõe entender,
divisa o censurado e seu trabalho como alvos.
Diante de sua escolha
equivocada em compactuar, de suas pretensões de privilegiar-se de migalhas de
poder – ou do que julgue poder –, de seu oportunismo, do compadrio que o faça
escolha de quem se encontra, suposta e momentaneamente, em posição de formar
equipe ou escolher indivíduo que censure, às suas expensas ou do erário
público, sente-se valorizado (a), reconhecido, em estado de superioridade aos
que nem conhece, mas censurará conforme orientações de seu empregador.
NADA JUSTIFICA A CENSURA. Seja na arte, seja na educação, seja no debate de ideias. A não ser pela vontade declarada ou camuflada de eliminar, intimidar a possibilidade do debate de ideias. Nem mesmo a possibilidade esdrúxula de “antecipar-se ao erro”, justifica o censor. Sobretudo quando, politicamente, a intimidação de ostensivamente constatar-se que numa empresa, numa entidade, num governe, há pessoa (as) que exercem a função de censurar, produz um nível de estresse, de assédio moral sobre os trabalhadores e trabalhadoras que afronta a constituição e quaisquer convenções trabalhistas, mesmo em nossa combalida realidade de perda de direitos trabalhistas.
Não obstante, tolhe, poda, corta, impede, magoa, diminui a importância do pensamento crítico, do diálogo, da criatividade. O censor mecaniza as relações, amesquinha-as, impede que se dê em patamar de igualdade e respeito a quem quer que o serviço, a obra, o trabalho seja produzida, principalmente quando o público for a sociedade civil organizada, via servidores ou empregados públicos contratados para exercerem o que seja obrigação dos governos (municípios, Estado e governo federal) em oferecer para a sociedade. Não está em sintonia com a sociedade um governo que, para governar, censura. Mesmo em nome de um ‘bom governo’.
Não é digno de gerir,
administrar, coordenar, aquele que censura. Aquele que sem apoiar, sem debater,
sem planejar, ou em nome de eventuais falhas pessoais, individuais ou setoriais
daqueles a quem coordena, governa, gere, censura. Há improbidade, contrariedade
aos preceitos constitucionais e entendimentos das diversas entidades de classe,
juizados e congregações de trabalhadores e entidades que atuem na
regulamentação e defesa da qualidade das relações e dos serviços.
Aquele que aceita o papel
de censor. Sinto profundamente por sua trajetória pessoal e profissional,
vitoriosa que possa ter sido até então, por mais bem relacionado (a) que seja,
abre um divisor de águas em sua carreira, irreversível, tanto mais quanto as
condições éticas e/ou legais que o (a) tenham alçado ao posto que escolheu.
Há um monstro prestes a despertar metaforicamente expresso através das pretensões
inconfessáveis do gestor que contrata censores e da própria obtusidade e do
medo do censor de desagradar ao seu contratante. Tal criatura horrenda não se pode comparar a uma eventual falha de um profissional, de um setor, ou de um trabalho ou obra a que a censura e o censor pretendam conter. A censura é um monstro que se alimenta da violência e do medo que tal assédio representa.
Evidentemente ser contra
a censura não significa ser a favor do erro, da falha, da falta de qualidade em
qualquer serviço seja em empresa particular, seja no serviço público. Claro
está que há mecanismos internos de ordenação, articulação, projeção e avaliação
das atuações profissionais. E mesmo em face da falha setorial ou individual, serão
o diálogo, o planejamento, a apuração, e a responsabilização focada no erro ou
desvio, à luz da lei e da justiça que garantirão o respeito às leis trabalhistas
e profissionais, À CONSTITUIÇÃO (que proíbe a censura) e não uma ameaça
explícita ou velada e práticas de censura aos demais profissionais e às
organizações.
Imagino a vergonha do
censor ao censurar ou simplesmente receber para avaliar com vistas a liberar ou
proibir um texto ou parte dele, por exemplo, produzido por um (a) colega seu (sua).
Independentemente de formação acadêmica, qualidade artística, grau de afinidade
entre censor e avaliado/censurado... Quanto constrangimento. A censura é uma
condenação sem provas. É uma condenação por interpretação equivocada das
provas. É uma condenação com ideologização das provas ou por incompreensão das
provas. A CENSURA É CRIME EM SI MESMA. Por existir e haver. Por ser exercida
linear ou isoladamente. Por ser bancada com dinheiro público ou recurso particular.
Imagine que o dinheiro
pago ao censor, por exemplo, no serviço público, carece de um histórico de
preocupação e qualidade anterior do gestor em investir em recursos para os
profissionais que ora pretenda intimidar ou censurar ao submetê-los e aos seus
trabalhos aos canais e mecanismos do censor. Imagine que justificativa de
alocação real no orçamento público este trabalho terá oficialmente apresentado.
Se não foi explícita, legal, clara, especificada, atende somente ao interesse
obtuso do gestor.
Cabe ainda perguntar, no
caso de gestor da coisa pública, que empenho, que determinação possa ter havido
para convencê-lo a contratar um censor, em lugar de investir nos trabalhadores
e em suas condições de trabalho, em dialogar com eles. Como reuniu material,
que reclamações terá recebido, por que teria aberto mão de sua cadeia de
comando e de articulação focal para sanar o problema e com quem discutiu até
chegar à conclusão de que só mesmo um censor seria o ideal para sua gestão?
Será que leu a Constituição e sabe que a censura contraria a lei máxima do
país? Que a censura não tem base legal?!
Eu tenho medo da censura
porque estudei e li bastante. Porque convivi com pessoas que passaram por todos os
horrores decorrentes da censura: violência física, intelectual, moral,
psicológica. Porque a censura gera a perda da qualidade da gestão pública e particular, falta de
transparência, aumento de gastos. Ou seja, qualquer forma de censura, sobretudo
aos trabalhadores e trabalhadoras, no exercício digno e responsável de sua
atividade profissional é inaceitável. A CENSURA É UMA AGRESSÃO! É ASSÉDIO
MORAL!
A lógica do censor pode
fazer com que ele momentaneamente entenda ser relevante a sua atuação. No
entanto, a falta de lógica de haver censura num país democrático em que
coexistem tantos mecanismos de articulação profissional e intelectual, tantas
metodologias positivas de se construir o que quer que seja, de um serviço a um
produto, e principalmente, o diálogo, o bom censo e o respeito às leis e
entidades que regem as organizações e instituições brasileiras. Ninguém está
acima da lei. Nem os que mandam censurar. E o censor está abaixo da crítica.
Quando o navio afunda, o
censor invariavelmente se afoga; sua carreira finda ou segue como sobrevida e o seu contratante ainda
o responsabiliza pelo naufrágio. Os demais profissionais, que exercem sua
atividade de forma ética e responsável, ou se salvam ou se tornam vítimas, mas
nenhuma âncora os mantém inertes em suas carreiras ou os sepulta no mar de lama
da violência da censura.
segunda-feira, 21 de setembro de 2020
Crônica: "Proseando", de Erivelto Reis
Proseando
Erivelto Reis
Ei-lá, moço, adonde que o senhor que ir?
...
Eê, num tem ninguém aí, não! Tá bandonado pa mais de ano.
...
O dono se cansou das criação dele. Fechou tudo e foi si
imbora.
...
Num adianta. É terra arrasada. Em se plantando num vai produzir
nada.
...
Ainda que tenha umas cria reproduzindo, uns último peão
tentando dá jeito...
...
Quando num botam fogo, eles saqueiam, sacaneiam, mentem,
roubam e matam, daí num sobra nada.
...
Defende, sim. Fala em nome do dono diz que vai curar as criação,
que vai abençoar, mas só tira proveito das situação tudo.
...
Pelo que o senhor tá me falando que nasceu aqui, que era
tudo diferente, bonito, democrático...
...
Eu não duvido, não... mas agora... se eu fosse o senhor não
entrava nesse lugar, não.
...
Teve uns tempo pa trás que ele já quis acabar com tudo.
Encheu de água até o topo... Morreu foi criação. Mas as cria dele, vinga,
brota, reproduz e mata. E num venha dizê qui com gente é diferente, que num é o
que tá parecendo, não...
...
Sinto muito, moço. Possa ser que seja terra de seus
parentes, que o senhor tenha boas lembrança. Mas agora, até as boa lembrança tá
difícil.
...
Ele não deixou na mão de ninguém... Aliás, certo era cada um
toma conta da sua própria vida e ter juízo. Mas chegou uns pessoal aí, disse
que tava a favor dele, ao lado dele, em nome dele, e os povo foi querditando em
tudo. Quando viu, tá sendo posto pá fora, perdendo as benfeituria, uma increnca
danada.
...
É... Os cara que tavu falando em nome dele, propriamente num
tomaram conta, mas se ligaram cum uns pessoal que gostava de arma, de
violência, de ameçá as pessoa, se juntarum com uns juiz de de comarca, cum uns
grupo mei suspeitoso...
...
Di qui jeito, moço?! Duvidá, a gente duvidava, mas eles
passava dia e noite espaiando mentira sobre as pessoa. E os pessoal in veis de
porcura saber das verdade verdadeira, aceitava e ainda apoiava. Por isso, se o
senhor qué saber, é qui eu querdito qui o dono mermo, fechou essa tranqueira e
foi simbora.
...
Num sei dizê, num senhor ... As notícia é que ele tá muito
descontente com os filho dele. Que arrumaram um administrador, uns conselheiro
quasi tudo da pior qualidade de vivente que possa inxistir.
...
Eu tô por aqui, porque fui ficando, ficando... Mas tô só
alertando os incauto.
...
Num sei se tem previsão de abrir, de melhorar... de botá com
esses administrador pra corrê... Eles num tem pena de nada, animal, criança,
mulher, índio, professor, estudante, trabaiador... eles ameça, mente, toma os
direito poco que as pessoa tem e fica tudo por isso mesmo...
...
Quem vai tê coragi de briga com um pessoal desse?!É tudo
gente perigosa. Num digo que o dono mermo da criação tenha medo delis, porque o
dono mermo da terra, dos seres vivente dessa terra é poderoso por dimais, mas
anda meio que acovardado, desligado dessas malvadeza toda, isquicido de suas
obrigação... num é possívi uma cousa dessas...
...
O jeito que eu vejo é juntá todo mundo que ainda mora, que
já morou por essas paragens e se uni e botar esses verme pá correr, ou na
cadeia... porque du contrário ainda vô vê muito filho pranteando mãe, muito pai
e mãe desempregado, muita gente adoecendo, morrendo, passando fome, sem iscola,
sendo humilhado, explorado por esse pessoal perverso e pernóstico. E um tanto
de terra e de riqueza dessa nas mão dessa corja...
...
Quê que isso, moço. Dinheiro tem demais pra fazer dessas
terra as mais linda do mundo, mas esse povo que tá aí no poder rouba tudo...
Tem gente esperta pra mudar as coisa, com inteligência, disposição pra
trabalhar... Mas os safado num querem dar veiz a ninguém que preste. Aí é só
sofrimento.
...
Vai com deus, então, amigo. Protegi sua família. E deus se vier pra essas banda
di novo, qui venha armado...
domingo, 20 de setembro de 2020
"Notas sobre minha Mãe", por Erivelto Reis
Eu e minha mãe
ouvíamos o show do Paulo Lopes, o Paulo Giovanne, o Haroldo de Andrade e o Show
do Waldir Vieira com as canções do Roberto Carlos na Rádio Globo AM. Era 1981.
Eu tinha 5 anos. O rádio era bege e chiava. Meu pai tinha uma bicicleta velha e
saia para trabalhar de pedreiro e jardineiro com o Ubiraci, e com O Rei, irmão
do Ubiraci. Passavam na bicicletaria do Bidala para pegar algumas ferramentas e
calibrar o pneu da bicicleta. Morávamos na Teixeira de Aragão em Campo Grande.
Eu memorizava as letras das canções, os títulos das músicas e ficava repetindo.
Ela gostava. Achava incrível e pedia pra repetir. Eu tinha 5 anos. Ainda posso
ouvir o chiado do rádio enquanto, na beira do tanque, na frente da casa, ela
lavava roupa.
À tarde, quando meu pai chegava, ainda dava tempo
de brincar no balanço velho de duas cadeirinhas. Havia um resto de aterro no
quintal, Dona Dica e dona Lurdes eram nossas vizinhas. Lá na frente da casa de
vila, Irene Vianna e sua família eram nossos amigos. Seu Abílio tinha
uma venda na esquina e um baleiro mágico de tão encantador. Havia a Dona Isabel
que tinha uma casa em frente ao Rocha Faria. Meu pai cuidava do jardim do velho
sobrado e ela nos ajudava como podia. O ano era 1981. Um último ano de alegria
sem mágoas.
Houve a oportunidade de meu pai e minha mãe se
tornarem caseiros de um sítio. Trabalhávamos os cinco: meu pai, minha mãe, eu e
meus irmãos. O salário era mínimo, atrasava e era um só. Fomos conhecer o sítio
em 1982. Eu, minha mãe e meu avô Manoel. Meu pai e o Rei (Wilson) grande amigo
dele, estavam trabalhando na reforma do portão. Subimos a rua lateral da Igreja
do Bom Jesus, viramos à direita e pude ver meu pai e aquela
"fortaleza" de sítio.
Trabalhamos dia e noite durante muitos anos.
Desde às 5 da manhã até a noite. Todos os dias. Minha mãe cortava os panos de
prato que protegiam os queijos que meu pai revendia, depois passou a fazer
acabamento em crochê pra eles. Arrumávamos a casa simples, de três cômodos, que
preservei, depois que comprei o sítio com minha gloriosa Gloria Regina.
Cuidávamos da horta, dos animais, varríamos o quintal. Depois ela foi vender
doces na porta de uma escola. E fazia blusas e caminhos de mesa de crochê para
vender.
Com ela trabalhei vendendo perfumes, chapeados,
vasos decorativos de cerâmica, potes plásticos em reuniões de bairro, no carro
de lanches em eventos... Acompanhei todas as idas dela no pré-natal e nas
consultas para o nascimento do meu irmão Elton em 1985. Lia as cartas que
chegavam de Rio Verde, Goiás, e ouvia e interpretava o que ela queria dizer
para escrever as cartas em resposta aos parentes. Fiz o cadastro e todos os
meses ia ao banco real, com o dinheirinho que ela juntava, para pagar o carnê
laranja de autonomia do antigo inps. Eu tinha 10 anos.
Quando sobrava alguma coisa, comprávamos
discos: todos os sertanejos (que hoje seriam os de raiz e que nem eram famosos
por aqui), Odair José, Carlos Alexandre, Amado Batista, Roberta Miranda,
Fernando Mendes, José Augusto, Gil Max... Comprávamos, às vezes, usados na feira
de Campo Grande. Eu nem gostava muito de ir à feira, porque era o caminho para
ir ao posto de vacinação Belisário Pena. E eu tinha pavor de injeção. Tirávamos
fotos vestidos de marinheirinhos - eu e meus irmãos - em frente à Guandu
Veículos que tinha um jardim bem bonito, ou na praça Freire Alemão, em frente
ao mercado Sendas. Ela revelava e mandava pros parentes em Rio Verde. Minha mãe
e eu tínhamos quase a mesma idade. Diferença de 15 anos apenas. Voltamos juntos
a Rio Verde, Goiás em três ocasiões: 1982, 1988 e 1990. Hoje chove aqui, num
canto de meu olhar perdido.
Quando havia comemoração pelo dia das mães, na
escola, eu sempre dizia um poeminha, uma quadrinha em homenagem a ela e a todas
as mães. Na escola Jorge Washington para a qual ela me levava, passando por
trás do cemitério e do RP Mont, ou no José Bonifácio. Sempre eu dizia ou
inventava um poeminha, uns versinhos ou apresentava o que as professoras
ensinavam. Eu nem era o aluno menos tímido, mas eu gostava de poesia e tinha
boa memória. Uma vez, na terceira série, houve uma atividade de redação na
escola e a minha redação foi selecionada. Aí, na reunião de pais, pediram pra
ela ler a minha redação... só que ela não sabia ler.
Foi assim que decidi me tornar professor... Ela
levava ou falava dos meus livros ou da minha trajetória - fosse como garçom ou
como estudante e depois, como professor pra todo mundo. Não esquecia o dia do
meu aniversário de jeito nenhum. Nesse de 2020, me trouxe um kit de culinária
de presente, pra que eu fizesse minhas receitas. Infelizmente não há receita
para um momento triste como esse.
Poema: "O Céu de Rio Verde", de Erivelto Reis
O Céu de Rio Verde
Erivelto Reis
Para minha mãe, Maria Aparecida, com saudades.
Se eu voltasse hoje para o céu de Rio Verde,
Supondo que Rio Verde tenha um céu só para o seus,
Eu queria voltar feito nuvem, espírito livre
De um filho pródigo, não arrependido ou frustrado,
Mas que tenha cumprido a sua missão.
Eu queria voltar feito a alma liberta de uma mãe
Que fez tudo por seus filhos e por sua família,
Enfrentou o tempo, a distância e a saudade
Para ditar ao mundo – se não fosse possível escrever –
As passagens mais comuns e cotidianas
E por isso mais árduas, de quem alimentou os seus,
Abrigou, protegeu e defendeu até o último dia.
Se houvesse um céu só para mim, exclusivo,
Como filho dessa terra de Rio Verde, Goiás,
Mais pranteada e idealizada do que abraço
De mãe e lágrima de despedida,
Eu quereria abraçar os feitos de meus irmãos,
Reencontrar os que já me esperassem
E proteger aqueles que persistem em sua lida terrena.
Queria um céu de perdão e contentamento
No qual eu pudesse rever o meu único e grande amor...
E abençoar meus descendentes.
Deve ser infinito o céu de Rio Verde.
Deveria ser possível, apesar da lúbrica tristeza por minha
ausência,
Que onipresente eu me tornasse em cada pequena conquista,
Em cada pequena vitória daqueles a quem eu presenteei com a
vida,
Assim como a esperança de que eu pudesse
Continuar confortando-os a cada momento
Que em seus caminhos houvesse um entrave.
Nesse céu de Rio Verde, eu cantaria as canções mais bonitas
de minha mocidade,
Passearia por entre as campinas do cerrado
E veria, do céu de Rio Verde, o pôr do sol na Terra,
Acomodado no alpendre da casa de minha infância.
É ali que eu seria eternamente feliz,
Que eu seria finalmente eu.
No céu de Rio Verde finalmente eu descansaria.
E começaria uma nova história.
Redimido pela trajetória de todas as pessoas
Que eu amei e às quais dei guarida
Redivivo na memória nova, definitiva e repentinamente Aparecida.
O céu de Rio Verde é tão longe...
E eu ainda tenho que atravessar a vida.
terça-feira, 15 de setembro de 2020
Poema: "Sofrência", de Erivelto Reis
SOFRÊNCIA
Erivelto Reis
Foi em 2020
Que eu tive bronquite,
Catapora, catarata e conjuntivite
Um cachorro me mordeu
E eu tive otite.
Foi em 2020
Que eu tive rinite,
Que clonaram o meu cartão
E a minha Netflix(e).
Tive Insônia, ansiedade
Bruxismo e gastrite.
Foi em 2020
Que deu tudo errado,
O celular caiu no vaso,
Fiquei confinado,
Descobri que meu vizinho
Era fã do Naldo ...
Tive estresse, dei topada,
Tive sinusite.
Foi em 2020
Que eu cortei o dedo
Tive estafa, pressão alta
Febre alta... perdi o apetite.
Foi em 2020
Que eu ganhei peso,
Tive estria, barriguinha,
Tive ruga e pé-de-galinha
Que agosto passou logo...
Tive celulite.
Foi em 2020
Que eu tive gripe
Intolerância à lactose,
Entupimento na suíte,
Tive caspa, tive cárie
E tive calvície.
Foi em 2020
Que eu tive amidalite
Que eu fiquei devendo ao banco
E ao bar da Judite
Tive medo, flatulência, virei meme,
Tive faringite.
Foi em 2020
Que eu tive dermatite,
Fiquei de mal com a vizinhança
Tive enjoo, tremedeira e labirintite.
Foi em 2020
Que eu tive artrite
Que fiquei desempregado
Descobri que tenho TOC,
Que entrei no Tik-Tok...
Que eu dei chilique.
Foi em 2020
Que eu soube o que era aliche...
Para festas e churrascos não tive convite,
Fiz dieta de low carb
Caí do beliche.
Acredite:
Foi em 2020
Acredite...
Foi em 2020!
Acredite,
Tudo isso eu tive.
segunda-feira, 14 de setembro de 2020
E-BOOK "CRÔNICAS DE CINEMA - VOLUME 2", De Roberto Bozzetti, organizado por Erivelto Reis
O próprio mestre, Roberto Bozzetti, nos convida a conhecer um pouquinho de suas crônicas de cinema. Aqui, já no volume 2. Boa leitura a todos e todas.
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O SAGRADO INSTITUTO DA PARCERIA –
II
Parceiro:
Erivelto Reis
Como pendurei
aqui na semana passada o volume 1 dos meus irresponsáveis rabiscos sobre cinema
coletados pelo doido do Erivelto Reis, penduro aqui hoje o volume 2, que o
mesmo doido coletou, paginou, diagramou, enfim, deu um showzaço de programação
visual, que minhas levianas impressões cinematográficas tentam acompanhar como
possível.
E como eu
tinha dito aqui também, pelo menos desde o samba, a parceria é uma instituição
sólida na cultura brasileira. Pensemos em Ismael Silva & Nilton Bastos,
Bide & Marçal, J. Cascata & Leonel Azevedo, avancemos com Vinícius e
seus parceiros Tom, Baden, Carlinhos Lyra, Toquinho, pra chegar em João Bosco
& Aldir Blanc e Fred Martins & Marcelo Diniz, entre tantas outras
parcerias – verdade que nem sempre tão boas como as que citei.
Vejam ae,
crianças!
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quinta-feira, 10 de setembro de 2020
Canção: "Equação do Amor", de Alzir Fourny, Erivelto Reis e Milton Costa
EQUAÇÃO DO AMOR (2020)
terça-feira, 8 de setembro de 2020
Poema: "Mantimentos", de Erivelto Reis
Mantimentos
Poema: "AS CARTAS", de Primitivo Paes (2020)
Essa versão 2020, traz a marcação de pontuação feita em 2003 e que indica a respiração e as pausas do poeta em sua interpretação para construir suas inflexões em apresentações públicas. Essa marcação (feita a caneta, durante uma apresentação na Pedra de Guaratiba), apareceu numa antologia (ainda datilografada) que eu organizei em e a partir de 2003 e que conta com 14 volumes de poesia de autores do mundo inteiro, principalmente, os brasileiros e brasileiras.
AS CARTAS
PRIMITIVO PAES
Quero ver a nossa gente
fazer a nação crescer.
os lavradores plantando
para a família colher.
ter casa para morar,
escola para aprender.
para quando for adulto,
não ser humilhado assim:
cabisbaixo, timorato,
vai à casa do vizinho
tremendo, olhando pro chão
chega falando baixinho...
Coração acelerado,
vai logo dizendo assim,
com uma carta na mão,
"Leia essa carta pra mim."
Chegou carta dos parentes,
não sabemos o que fazer;
nem meu pai, nem minha mãe,
nem eu não sabemos ler!
Desculpe tomar seu tempo,
e vir pedir pra você ler.
As coisas vão melhorar,
eu ainda quero ver:
um dia vou pra escola,
eu vou aprender a ler;
a somar, diminuir,
dividir, multiplicar...
pra quando for pra usina,
cortar cana pra moer,
saber quanto vou ganhar
e o tanto que vou perder!
Mas, quando as cartas chegarem,
eu mesmo saberei ler!
Segredos de meus parentes,
vizinho nenhum vai saber!
Daí, ninguém me segura, Brasil,
estou com você!
segunda-feira, 7 de setembro de 2020
Crônica: "Estou pensando em acabar com tudo", por Erivelto Reis
SOBRE O FILME "ESTOU PENSANDO EM ACABAR COM TUDO"
Erivelto Reis
Estou Pensando
em Acabar com tudo (Netflix, 2020), baseado no romance homônimo (2017) do
canadense Iain Reid traz alguns conceitos muito interessantes em narrativa,
sobretudo as sobreposições e insights
que articulam memória, subconsciente e imaginação.
A obra espreita
ou supõe a presença do trágico, se destaca metaficcionalmente, traz boas
referências em relação a Debord e A
sociedade do espetáculo e ao filme Uma
mulher sob influência (1974).
Pretende
demonstrar como o Teatro, a Dança, a Arquitetura, a Música, a Fotografia, a Pintura,
a Literatura, o Cinema, a Propaganda e a Poesia constroem o imaginário, a
sensibilidade, os pactos e papéis sociais em consonância, ou em conflito, com a
identidade, o gênero e as transgressões que podemos permitir – e porque as
permitimos – ou as repudiamos – e as consequências em repudiá-las,
principalmente para a mulher.
O filme constrói-se
com fotografia interessante, embora em planos pouco variáveis e por um
movimento de câmera que antecipa e direciona ocasionalmente algumas ações. Há
um papel de parede no cenário da casa que lembra muito O iluminado, de Stephen
King. As atuações são bastante interessantes, principalmente a de Toni Colette.
Incrivelmente,
apesar de tantos predicados e referências, o provocante enredo não se resolve
como história. Não no sentido de dar um final ao filme, mas de coadunar e
reidentificar os pontos nos quais seu está embasado.
A cena final é/poderia/deveria
ser o início da viagem e teria força lá. Onde foi montada, soou piegas e quem
sabe, entregasse demais sobre o jogo narrativo metaficcional que se propõe.
Talvez fosse mais impactante haver terminado a narrativa na porta da escola, no
porão, no celeiro ou na lanchonete.
A ideia de que
as condições climáticas extremas e adversas forçariam certas práticas e
memórias não condiciona os diálogos, que na verdade são metáforas de
silenciamento e só se concretizariam plenamente nas obras em que se encontram e
que originaram. Mas garante um ar de thriller de suspense ao filme. Além disso, instauram uma tensão constante à
narrativa que a desconfigura, exacerbando o pretensamente banal e diluindo a
pujança dramática do conflito presente na locação da casa como irradiadora dos
traumas e deflagradora da obra.
Há ainda a
intermigracão da focalização narrativa e do protagonismo, feita a partir de um voice over, que toma o papel de narrar
discretamente, mas à força. O "em" do título em itálico é uma chave
poderosa para o espectador, embora soe aparentemente despretensioso diante de
"acabar com tudo". "Estou pensando" está explícito, mas tão
explícito que a gente até desconfia, mas a personagem ‘sem nome’ assume a “emissão”
/ autoria da frase – no contexto da narrativa a frase não é pronunciada (o que
é uma baita sacada do diretor e roteirista Charlie Kaufman) – o que é
suficiente para nos desviar de seu ‘real’ sentido, recontextualizando-o de
forma passional.
Trata-se,
portanto, de um filme sobre como desafetos constroem obras carregadas de
afetividade. Uma peninha de que a meia hora final não apontasse e concretizasse
isso. Vale assistir, mas não vale a expectativa da catarse.
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2020 - Charlie Kaufman - Netflix |
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2017 - Iain Reid |