A LÓGICA DO CENSOR
Erivelto Reis
A
lógica do censor é que a sua função não seja condenável moral e eticamente
justamente porque, segundo seu raciocínio, repousa sobre seus ombros a
responsabilidade por impedir que a moralidade e o bem (definidos sob a ótica de
seu empregador) e não da coletividade, estão sendo protegidos.
A
pessoa que compactua com a censura, exercendo cargo por indicação,
comissionado, contratado ou não, não é capaz de ver que seu trabalho empurra
gradativamente a criatividade, o bom senso, o diálogo, a democracia para um
precipício de onde não se pode escapar sem dano, sem feridas.
O
censor (ou censora) não entende a dimensão da violência de sua atitude e o ódio
represado, tornado explícito de forma completa ou gradativa, sub-repticiamente por
seu empregador, seja este pessoa física, instituição, prefeitura, governo
estadual, federal, autarquia, secretarias, comissões, quartéis, porões.
Há
grande e indisfarçável hipocrisia no censor ou censora quando, portador (a) de
formação que tecnicamente lhe permitiria dialogar, escolhe exercer a censura
violenta, definitiva marca de oposição, seja à ideologia, ao exercício
profissional responsável do (a) outro (a), à sua expressão intelectual,
artística ou existencial, marcando-o (a), apontando-o (a) para deleite de seu
empregador. Aquele (s) ao (s) qual (is) seu trabalho como censor ajuda a expor,
colocar na berlinda, fragilizar, agredir velada ou publicamente, sofre (m) de forma indelével a humilhação de uma condenação sem base legal que afronta os códigos profissionais e a Constituição. Mas,
sobretudo, flagra-se a hipocrisia do censor quando, de formação inferior aos que censura, ou obscura e incerta, inseguro
(a), desconfia de tudo que lê, vê (ou nem vê), ouve, entende ou supõe entender,
divisa o censurado e seu trabalho como alvos.
Diante de sua escolha
equivocada em compactuar, de suas pretensões de privilegiar-se de migalhas de
poder – ou do que julgue poder –, de seu oportunismo, do compadrio que o faça
escolha de quem se encontra, suposta e momentaneamente, em posição de formar
equipe ou escolher indivíduo que censure, às suas expensas ou do erário
público, sente-se valorizado (a), reconhecido, em estado de superioridade aos
que nem conhece, mas censurará conforme orientações de seu empregador.
NADA JUSTIFICA A CENSURA. Seja na arte, seja na educação, seja no debate de ideias. A não ser pela vontade declarada ou camuflada de eliminar, intimidar a possibilidade do debate de ideias. Nem mesmo a possibilidade esdrúxula de “antecipar-se ao erro”, justifica o censor. Sobretudo quando, politicamente, a intimidação de ostensivamente constatar-se que numa empresa, numa entidade, num governe, há pessoa (as) que exercem a função de censurar, produz um nível de estresse, de assédio moral sobre os trabalhadores e trabalhadoras que afronta a constituição e quaisquer convenções trabalhistas, mesmo em nossa combalida realidade de perda de direitos trabalhistas.
Não obstante, tolhe, poda, corta, impede, magoa, diminui a importância do pensamento crítico, do diálogo, da criatividade. O censor mecaniza as relações, amesquinha-as, impede que se dê em patamar de igualdade e respeito a quem quer que o serviço, a obra, o trabalho seja produzida, principalmente quando o público for a sociedade civil organizada, via servidores ou empregados públicos contratados para exercerem o que seja obrigação dos governos (municípios, Estado e governo federal) em oferecer para a sociedade. Não está em sintonia com a sociedade um governo que, para governar, censura. Mesmo em nome de um ‘bom governo’.
Não é digno de gerir,
administrar, coordenar, aquele que censura. Aquele que sem apoiar, sem debater,
sem planejar, ou em nome de eventuais falhas pessoais, individuais ou setoriais
daqueles a quem coordena, governa, gere, censura. Há improbidade, contrariedade
aos preceitos constitucionais e entendimentos das diversas entidades de classe,
juizados e congregações de trabalhadores e entidades que atuem na
regulamentação e defesa da qualidade das relações e dos serviços.
Aquele que aceita o papel
de censor. Sinto profundamente por sua trajetória pessoal e profissional,
vitoriosa que possa ter sido até então, por mais bem relacionado (a) que seja,
abre um divisor de águas em sua carreira, irreversível, tanto mais quanto as
condições éticas e/ou legais que o (a) tenham alçado ao posto que escolheu.
Há um monstro prestes a despertar metaforicamente expresso através das pretensões
inconfessáveis do gestor que contrata censores e da própria obtusidade e do
medo do censor de desagradar ao seu contratante. Tal criatura horrenda não se pode comparar a uma eventual falha de um profissional, de um setor, ou de um trabalho ou obra a que a censura e o censor pretendam conter. A censura é um monstro que se alimenta da violência e do medo que tal assédio representa.
Evidentemente ser contra
a censura não significa ser a favor do erro, da falha, da falta de qualidade em
qualquer serviço seja em empresa particular, seja no serviço público. Claro
está que há mecanismos internos de ordenação, articulação, projeção e avaliação
das atuações profissionais. E mesmo em face da falha setorial ou individual, serão
o diálogo, o planejamento, a apuração, e a responsabilização focada no erro ou
desvio, à luz da lei e da justiça que garantirão o respeito às leis trabalhistas
e profissionais, À CONSTITUIÇÃO (que proíbe a censura) e não uma ameaça
explícita ou velada e práticas de censura aos demais profissionais e às
organizações.
Imagino a vergonha do
censor ao censurar ou simplesmente receber para avaliar com vistas a liberar ou
proibir um texto ou parte dele, por exemplo, produzido por um (a) colega seu (sua).
Independentemente de formação acadêmica, qualidade artística, grau de afinidade
entre censor e avaliado/censurado... Quanto constrangimento. A censura é uma
condenação sem provas. É uma condenação por interpretação equivocada das
provas. É uma condenação com ideologização das provas ou por incompreensão das
provas. A CENSURA É CRIME EM SI MESMA. Por existir e haver. Por ser exercida
linear ou isoladamente. Por ser bancada com dinheiro público ou recurso particular.
Imagine que o dinheiro
pago ao censor, por exemplo, no serviço público, carece de um histórico de
preocupação e qualidade anterior do gestor em investir em recursos para os
profissionais que ora pretenda intimidar ou censurar ao submetê-los e aos seus
trabalhos aos canais e mecanismos do censor. Imagine que justificativa de
alocação real no orçamento público este trabalho terá oficialmente apresentado.
Se não foi explícita, legal, clara, especificada, atende somente ao interesse
obtuso do gestor.
Cabe ainda perguntar, no
caso de gestor da coisa pública, que empenho, que determinação possa ter havido
para convencê-lo a contratar um censor, em lugar de investir nos trabalhadores
e em suas condições de trabalho, em dialogar com eles. Como reuniu material,
que reclamações terá recebido, por que teria aberto mão de sua cadeia de
comando e de articulação focal para sanar o problema e com quem discutiu até
chegar à conclusão de que só mesmo um censor seria o ideal para sua gestão?
Será que leu a Constituição e sabe que a censura contraria a lei máxima do
país? Que a censura não tem base legal?!
Eu tenho medo da censura
porque estudei e li bastante. Porque convivi com pessoas que passaram por todos os
horrores decorrentes da censura: violência física, intelectual, moral,
psicológica. Porque a censura gera a perda da qualidade da gestão pública e particular, falta de
transparência, aumento de gastos. Ou seja, qualquer forma de censura, sobretudo
aos trabalhadores e trabalhadoras, no exercício digno e responsável de sua
atividade profissional é inaceitável. A CENSURA É UMA AGRESSÃO! É ASSÉDIO
MORAL!
A lógica do censor pode
fazer com que ele momentaneamente entenda ser relevante a sua atuação. No
entanto, a falta de lógica de haver censura num país democrático em que
coexistem tantos mecanismos de articulação profissional e intelectual, tantas
metodologias positivas de se construir o que quer que seja, de um serviço a um
produto, e principalmente, o diálogo, o bom censo e o respeito às leis e
entidades que regem as organizações e instituições brasileiras. Ninguém está
acima da lei. Nem os que mandam censurar. E o censor está abaixo da crítica.
Quando o navio afunda, o
censor invariavelmente se afoga; sua carreira finda ou segue como sobrevida e o seu contratante ainda
o responsabiliza pelo naufrágio. Os demais profissionais, que exercem sua
atividade de forma ética e responsável, ou se salvam ou se tornam vítimas, mas
nenhuma âncora os mantém inertes em suas carreiras ou os sepulta no mar de lama
da violência da censura.
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