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Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Crônica: "Estou pensando em acabar com tudo", por Erivelto Reis

 SOBRE O FILME "ESTOU PENSANDO EM ACABAR COM TUDO"

Erivelto Reis 

Estou Pensando em Acabar com tudo (Netflix, 2020), baseado no romance homônimo (2017) do canadense Iain Reid traz alguns conceitos muito interessantes em narrativa, sobretudo as sobreposições e insights que articulam memória, subconsciente e imaginação.

A obra espreita ou supõe a presença do trágico, se destaca metaficcionalmente, traz boas referências em relação a Debord e A sociedade do espetáculo e ao filme Uma mulher sob influência (1974).

Pretende demonstrar como o Teatro, a Dança, a Arquitetura, a Música, a Fotografia, a Pintura, a Literatura, o Cinema, a Propaganda e a Poesia constroem o imaginário, a sensibilidade, os pactos e papéis sociais em consonância, ou em conflito, com a identidade, o gênero e as transgressões que podemos permitir – e porque as permitimos – ou as repudiamos – e as consequências em repudiá-las, principalmente para a mulher.

O filme constrói-se com fotografia interessante, embora em planos pouco variáveis e por um movimento de câmera que antecipa e direciona ocasionalmente algumas ações. Há um papel de parede no cenário da casa que lembra muito O iluminado, de Stephen King. As atuações são bastante interessantes, principalmente a de Toni Colette.

Incrivelmente, apesar de tantos predicados e referências, o provocante enredo não se resolve como história. Não no sentido de dar um final ao filme, mas de coadunar e reidentificar os pontos nos quais seu está embasado.

A cena final é/poderia/deveria ser o início da viagem e teria força lá. Onde foi montada, soou piegas e quem sabe, entregasse demais sobre o jogo narrativo metaficcional que se propõe. Talvez fosse mais impactante haver terminado a narrativa na porta da escola, no porão, no celeiro ou na lanchonete.

A ideia de que as condições climáticas extremas e adversas forçariam certas práticas e memórias não condiciona os diálogos, que na verdade são metáforas de silenciamento e só se concretizariam plenamente nas obras em que se encontram e que originaram. Mas garante um ar de thriller de suspense ao filme.  Além disso, instauram uma tensão constante à narrativa que a desconfigura, exacerbando o pretensamente banal e diluindo a pujança dramática do conflito presente na locação da casa como irradiadora dos traumas e deflagradora da obra.

Há ainda a intermigracão da focalização narrativa e do protagonismo, feita a partir de um voice over, que toma o papel de narrar discretamente, mas à força. O "em" do título em itálico é uma chave poderosa para o espectador, embora soe aparentemente despretensioso diante de "acabar com tudo". "Estou pensando" está explícito, mas tão explícito que a gente até desconfia, mas a personagem ‘sem nome’ assume a “emissão” / autoria da frase – no contexto da narrativa a frase não é pronunciada (o que é uma baita sacada do diretor e roteirista Charlie Kaufman) – o que é suficiente para nos desviar de seu ‘real’ sentido, recontextualizando-o de forma passional.

Trata-se, portanto, de um filme sobre como desafetos constroem obras carregadas de afetividade. Uma peninha de que a meia hora final não apontasse e concretizasse isso. Vale assistir, mas não vale a expectativa da catarse.

2020 - Charlie Kaufman - Netflix 

2017 - Iain Reid 


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