Quem sou eu

Minha foto
Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

sábado, 5 de setembro de 2020

Crônica: "Feitiço do tempo", por Erivelto Reis

 

CINEMA COM PIPOCA E GUARACAMP

O BONEQUINHO DEGUSTOU

9/10 – FEITIÇO DO TEMPO

 

                Fui convidado pelo Bonecão que entende tudo de cinema, Roberto Bozzetti, para listar meus dez filmes de comédia preferidos. Eita! Tarefa das mais difíceis. Por vários momentos me perguntei o que seria determinante para inclusão de uma obra entre os filmes relacionados. Os meus critérios não foram críticos ou técnicos, antes, puramente subjetivos e até sentimentais, quase piegas, senão totalmente.

            A comédia que destaco agora é FEITIÇO DO TEMPO (1993), estrelada pelo ator Bill Murray e por Andie Macdowell. Escrita por Harold Ramis (ator, roteirista e diretor), destaca um dia importante para uma cidade norte-americana, conhecido como “O dia da marmota” (02/02). Na história um repórter arrogante e mal educado de uma grande rede de TV, insuportável até para sua produtora e seu câmera-man, é enviado a essa cidadezinha para cobrir o evento local, bastante curioso e pitoresco, quase folclórico. Com visível desprezo pelo evento e má vontade em realizar a matéria, o apresentador faz o registro e por conta de uma nevasca precisa ficar um dia a mais na cidade. No entanto, por um fenômeno inexplicável, fica preso não apenas na cidade, mas no mesmo dia, tendo como ponto de partida o momento em que o relógio desperta às 6h da manhã com a indefectível canção de Sonny e Cher “I got you baby” (1965).

Numa espécie de circuito fechado do qual o egocêntrico protagonista Phil Conors não consegue se libertar, mesmo se jogando do precipício, se eletrocutando na banheira, se atirando da torre da igreja e morrendo, pois desperta no outro dia às 6h da manhã do dia da marmota, novamente. A sequência de eventos que estrutura o dia não varia: acorda, vai gravar, vai jantar e tudo se repete. O que no vai sendo apresentado é que vai variando pela recomposição dos detalhes na medida em que o protagonista, tomado pela consciência de estar preso no mesmo dia, varia do inconformismo, passando pelas ações irresponsáveis até a purgação de seus defeitos e falhas.

Considerado por especialistas em cinema, psicólogos, físicos e até por religiosos de várias correntes como um dos melhores filmes já realizados, o filme não se tornou um blockbuster.

O roteiro que é considerado brilhante e original é surpreendente por tratar do loop temporal numa permanência do presente. Um físico calculou as combinações de ações apresentadas e estipulou a duração do loop em mais de 12.000 dias, ou seja, 33 anos, pelo menos para que o protagonista, consciente de sua prisão temporal, se aprimorasse e realizasse todas as coisas que fariam o seu dia da marmota o melhor dia de sua vida.

Eu, particularmente, sou fascinado pela elisão do tempo (conceito de Henri Bergson) nas narrativas, por sua metafísica da duração, sucessão, sobreposição e finitude. Sejam elas de personagens ficcionais ou em biografias, principalmente em seu efeito formal na narrativa cinematográfica. Acompanhar um personagem e seu entusiasmo, suas frustrações, desencontros e conquistas vida a fora, seu florescimento e seu declínio – sob todos os aspectos – me comove bastante e tornam dramaticamente atrativas para mim as obras que transitam por esse foco.

O ator Bill Murray, talentosíssimo, constrói o seu personagem de uma forma magistral em sua transformação e na angústia de seu labirinto. Aliás, em filmes como “Nosso querido Bob” (1991) e “Encontros e desencontros” (2003), a carga dramática com que Murray trabalha está entre as mais marcantes a que já assisti.

O diretor e roteirista Harold Ramis, de Os caça-fantasmas, de A máfia no divã (com Billy Cristal e Robert de Niro arrasando), Endiabrado (com Elizabeth Hurley belíssima) não teve o reconhecimento merecido pela articulação, pela engenhosidade de seu roteiro (criou um loop temporal no presente) e não viveu para ver a sua comédia ser relacionada entre os 100 filmes americanos de todos os tempos ou ser mencionada por monges budistas como “o filme mais espiritualizado de todos os tempos”.

Eu mesmo me surpreendo por levantar essas informações sobre o filme e sobre o seu alcance como roteiro, ou em áreas da psicologia, da filosofia, da literatura, da física, das religiões, porquanto, para mim, fosse um filme marcante que me parecesse pouco relevante de um modo geral para o grande público. Daqueles filmes de sessões de cinema que passam de madrugada na televisão, que ficam em cartaz pouco tempo ou daqueles filmes que encalhavam e empoeiravam nas locadoras. Ou que só interessasse a espectadores diletantes, nada eruditos nas artes cinematográficas, como eu.

Mas que linguagem fantástica a do cinema! Em que algo seja capaz de revelar-se completamente e significar e envolver tanto o espectador, mesmo que não pareça dizer mais nada a ninguém mais. Ou que diga tanto, a tantos de forma tão serena e imperecível. Seja no drama ou na comédia. 

Por isso, fiquei bastante satisfeito de saber que outros mais caminharam por caminhos mais ou menos parecidos com os de minha sensibilidade. Não que isso vá se tornar comparável ou quantificável ou louvável.  Interessa, no entanto, que as questões fundamentais, sejam elas quais forem, possam se manter em constante ebulição, mesmo que pretensamente possam parecer irrelevantes. Não deixem de assistir Feitiço do tempo. Presos no tempo de nossa própria existência, cada um de nós sabe de si mais do que gostaria e menos do que poderia. Tempo é coisa que não se empresta porque não se devolve. Eita! Viajei...

A arte culinária, claro, é do agitador, pacificador, espalhafatoso mais discreto, Roberto Bozzetti. Dobrada à moda do Porto (quentinha). 06 de maio de 2018.


Feitiço do Tempo (1993)

Roberto Bozzetti e a Dobrada à Moda do Porto 6.5.2018 

Radio Relógio marcando o Loop do presente em Feitiço do Tempo.


 

           

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário