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Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

terça-feira, 11 de maio de 2021

Texto: "TEMPESTADE: EDUCADORES À DERIVA", de Erivelto Reis

 

TEMPESTADE: EDUCADORES À DERIVA

                        Erivelto Reis

 

            Não há naufrágio mais iminente do que o da educação pública brasileira.

            Estamos no meio de uma tempestade, à deriva desde sempre e quase submersos há um ano e meio. Muitos morreram afogados, muitos enlouqueceram, muitos adoeceram tão irreversível e gravemente que nem a terra firme de uma nova educação os traria de volta da febre crônica do trauma e das violências que sofreram. Durante essa tempestade infernal que por último se abateu sobre nós, vimos nossos alunos e alunas ilhados e ilhadas, nossos colegas profissionais da educação tão desamparados como nós; muitos pais e responsáveis omitindo-se ou agindo de forma extremista e teleguiada, sem valorizar nossa formação, nosso esforço e nossas preocupações fundamentadas quanto ao futuro da educação de seus filhos e filhas, coisa que aliás sempre fizeram. Poucos nos compreenderam.

            Nesse convés só o que convém a um pequeno grupo foi feito.

            Gritamos por ajuda e os que vieram realmente em nosso auxílio estavam se afogando como nós. Claro que muitos de nossa classe fizeram bons ou maus acordos e sua tempestade é muito branda, quase brisa enquanto contam bravatas de tempestades imaginárias e mais poderosas que já superaram.

            Há também os piratas, os corsários e os conquistadores. Há os que nos açulam para o torpor ou para as rusgas por questões pretensamente decorrentes de personalidade ou temperamento. Há os que desejam que morramos em silêncio. Há os entre nós que aguardam nosso posto assim que a bandeira se tornar a hastear. Há uma retórica hipócrita de que somos sacerdotes, quando os comportamentos e ações de muitos a respeito dos professores/as e profissionais da educação demonstra que para essas pessoas nós somos apenas peso que o estado atira ao mar. Somos um fardo. Bocas que só deveriam servir para o ventriloquismo, bonecos que só serviriam mesmo como títeres e os entre nós que se recusam a esse patético papel - que a história indica já haver consolidado muitas carreiras - estão relegados ao papel incômodo de agitadores, problemáticos, preguiçosos e outros adjetivos desqualificadores de nossa real indignação.

            Para o pouco que recebemos e trabalhando há um ano e meio utilizando completa e quase exclusivamente os nossos recursos particulares e muito mais de nosso tempo e atenção – inclusive nossa propriedade intelectual –, exploram-se da forma mais torpe e autoritária o nosso amor e respeito à profissão e nossa empatia por nossos alunos e alunas.

            No serviço público não se bate um prego numa madeira sem que seja licitada a compra da madeira, do prego, do martelo, e haja a contratação do marceneiro, do carpinteiro, do engenheiro e dos ajudantes. No entanto, prefeituras e estado querem meu trabalho, meu tempo, meus equipamentos, minha propriedade intelectual, minha internet, minha privacidade, através do meu número e aparelho de celular, minha energia: a humana e a elétrica, sem pagar um centavo a mais por isso, sob pena de sanções as mais diversas, da perda da minha liberdade e autonomia de cátedra para ensinar, de me rotular como encrenqueiro, insubordinado ou de me alijar de meu contato com minhas turmas.

            Essa tempestade não há de nos matar a todos, mas muito de nosso idealismo, de nosso fôlego, de nossos/as colegas terão sucumbido quando vier a falsa calmaria. Os falsos especialistas e capitães do navio naufragado durante esta tormenta chegarão à praia numa balsa feita dos destroços do desastre e ainda terão tempo de esconder a bandana, a mão de gancho, a perna de pau e com o indefectível papagaio no ombro gritarão: “terra à vista!”.

             No fundo do oceano jazerão os corpos, as mentiras que contaram para que muitos torcessem por nossa derrocada e muito do desejo de pessoas capazes de se dedicarem ao magistério e à educação.

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