TEMPESTADE: EDUCADORES À DERIVA
Erivelto
Reis
Não
há naufrágio mais iminente do que o da educação pública brasileira.
Estamos no meio de uma tempestade, à
deriva desde sempre e quase submersos há um ano e meio. Muitos morreram
afogados, muitos enlouqueceram, muitos adoeceram tão irreversível e gravemente
que nem a terra firme de uma nova educação os traria de volta da febre crônica
do trauma e das violências que sofreram. Durante essa tempestade infernal que
por último se abateu sobre nós, vimos nossos alunos e alunas ilhados e ilhadas,
nossos colegas profissionais da educação tão desamparados como nós; muitos pais
e responsáveis omitindo-se ou agindo de forma extremista e teleguiada, sem
valorizar nossa formação, nosso esforço e nossas preocupações fundamentadas
quanto ao futuro da educação de seus filhos e filhas, coisa que aliás sempre
fizeram. Poucos nos compreenderam.
Nesse convés só o que convém a um
pequeno grupo foi feito.
Gritamos por ajuda e os que vieram
realmente em nosso auxílio estavam se afogando como nós. Claro que muitos de
nossa classe fizeram bons ou maus acordos e sua tempestade é muito branda,
quase brisa enquanto contam bravatas de tempestades imaginárias e mais
poderosas que já superaram.
Há também os piratas, os corsários e
os conquistadores. Há os que nos açulam para o torpor ou para as rusgas por
questões pretensamente decorrentes de personalidade ou temperamento. Há os que
desejam que morramos em silêncio. Há os entre nós que aguardam nosso posto
assim que a bandeira se tornar a hastear. Há uma retórica hipócrita de que
somos sacerdotes, quando os comportamentos e ações de muitos a respeito dos professores/as
e profissionais da educação demonstra que para essas pessoas nós somos apenas
peso que o estado atira ao mar. Somos um fardo. Bocas que só deveriam servir
para o ventriloquismo, bonecos que só serviriam mesmo como títeres e os entre
nós que se recusam a esse patético papel - que a história indica já haver
consolidado muitas carreiras - estão relegados ao papel incômodo de agitadores,
problemáticos, preguiçosos e outros adjetivos desqualificadores de nossa real
indignação.
Para o pouco que recebemos e
trabalhando há um ano e meio utilizando completa e quase exclusivamente os
nossos recursos particulares e muito mais de nosso tempo e atenção – inclusive
nossa propriedade intelectual –, exploram-se da forma mais torpe e autoritária
o nosso amor e respeito à profissão e nossa empatia por nossos alunos e alunas.
No serviço público não se bate um
prego numa madeira sem que seja licitada a compra da madeira, do prego, do
martelo, e haja a contratação do marceneiro, do carpinteiro, do engenheiro e
dos ajudantes. No entanto, prefeituras e estado querem meu trabalho, meu tempo,
meus equipamentos, minha propriedade intelectual, minha internet, minha
privacidade, através do meu número e aparelho de celular, minha energia: a
humana e a elétrica, sem pagar um centavo a mais por isso, sob pena de sanções
as mais diversas, da perda da minha liberdade e autonomia de cátedra para
ensinar, de me rotular como encrenqueiro, insubordinado ou de me alijar de meu
contato com minhas turmas.
Essa tempestade não há de nos matar
a todos, mas muito de nosso idealismo, de nosso fôlego, de nossos/as colegas
terão sucumbido quando vier a falsa calmaria. Os falsos especialistas e
capitães do navio naufragado durante esta tormenta chegarão à praia numa balsa
feita dos destroços do desastre e ainda terão tempo de esconder a bandana, a
mão de gancho, a perna de pau e com o indefectível papagaio no ombro gritarão: “terra
à vista!”.
No fundo do oceano jazerão os corpos, as
mentiras que contaram para que muitos torcessem por nossa derrocada e muito do
desejo de pessoas capazes de se dedicarem ao magistério e à educação.
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